sexta-feira, dezembro 31, 2004

Se...

Por vezes ponho-me a pensar como seria a Murtosa se, nos momentos-chave da vida, ela tivesse tido pessoas com mais capacidade de visão e coragem para tomar algumas decisões.
São muitos os episódios estranhos que envolveram esta terra.

Eis alguns:

Em 1930 foi oferecida à Murtosa a possibilidade de construir um “Dispensário Anti-Tuberculoso” e um “Ninho de Pequenitos”. Esta oferta foi negociada pelo Carlos Barbosa com o médico Bissaya Barreto. Tudo se conjugava para que as coisas pudessem avançar, tendo a Murtosa que providenciar o local da construção e a futura gestão destes equipamentos. Numa reunião convocada para o efeito, estiveram presentes a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia, o Presidente da jovem Câmara Municipal, os párocos das freguesias, os presidentes das Juntas e outras pessoas ligadas ao comércio.

Todos foram unânimes em considerar que seria um passo importante para a Murtosa. Mas, como o equipamento seria apenas em parte da Murtosa, o resto seria propriedade do estado, todos temeram que, um dia, esse equipamento pudesse ser vendido pelo Estado ou cedido a outras pessoas. Assim, e apesar de haver cerca de 50% do dinheiro necessário, foi resolvido agradecer a oferta, mas declinar a ideia.

Hoje todos sabemos o que é a Fundação Bissaya Barreto. Ela poderia ter tido um papel importante na Murtosa… quem sabe?

Fim de Ano

Com o frio da manhã não há grande espaço para o surgimento de ideias interessantes. Os dedos ficam enregelados e doem ao bater nas teclas do computador, o ecrã embacia-se com o vapor de água da respiração.

Aqui, neste ocidente de Europa, as dores da tragédia ocorrida na Ásia só chegam como eco longínquo, como se fosse uma história de outros.

O arrumador de carros, a tiritar de frio, vai tentando convencer um ou outro condutor mais apertado de horas a estacionar onde lhe indica, com a esperança de meter ao bolso mais uma ou outra moeda.

Por entre o gelo da manhã, passam centenas de pessoas apressadas para os empregos das oito, rostos fechados e incomodados com o frio que corta. Os carros passam indiferentes a este povo, transportando outras pessoas que, em breve, se juntarão àquelas que caminham nos passeios. O arrumador, de cigarro ao canto da boca e de mãos nos bolsos de um casaco roto e gasto, vai acenando aos condutores a convidá-los a ocupar o espaço vazio que ele reserva.

Sai dos portões do grande hospital metropolitano uma carrinha funerária, transportando alguém que deixou o mundo neste fim de ano. Pelo mesmo portão entram outras centenas de pessoas que procuram remédio e cura para os seus males. Portões que parecem engolir toda essa gente anónima em busca de solução.

Passa a máquina de limpeza de ruas, lenta, barulhenta, indiferente ao sofrimento que lhe passa ao lado, sempre limpando a cidade, sempre zelando pelo bem estar dos povos organizados na grande cidade.

Aqui, do alto do monte, tudo parece mais urgente. O mundo ganha nova dimensão, o sofrimento adquire rosto, carne, corpo, dedos que se estendem. O arrumador surge como um semi-deus que conhece os segredos da criação. Os ecos do horror chegam mais fortes e audíveis. Tudo se transforma nesta gelada manhã de fim de ano.



quinta-feira, dezembro 30, 2004

Murtosa Efervescente !!!

Está declarada aberta a época de blogs na Murtosa!
Mais um bateu no email.
O link está ali ao lado.
Este vale a pena.
Façamos votos que todos estes blogs continuem por 2005 dentro.
Isto promete...

Murtosa Efervescente ?

Bateram na minha caixa de correio mais dois blogs da Murtosa, ou pelo menos assim parecem.
Ficam registados nos links murtoseiros.
Sublinho, com algum agrado, o facto de haver opinião a circular nos blogs.
É positivo.
Mesmo que sejam opiniões controversas.
Isso é ainda mais positivo.
É do diálogo que nascem ideias novas e mais construtivas.
Venham mais cinco!

terça-feira, dezembro 28, 2004

Venham mais cinco!

Só hoje descobri mais um novo blog da Murtosa.
Mais um a fazer a ponte Monte-Murtosa.
Parabéns, juventude!
Venham mais cinco.
Ideia novas, irreverentes, incómodas para alguns. É o que a Murtosa está a precisar com urgência.


(Só um conselho de velho professor: tentem corrigir alguns erros. Mesmo que não acreditem, o vosso blog é lido em muitas partes do mundo, pelo que convém ter algum cuidado com a ortografia - palavras bem escritas.)

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Está frio

Passou o Natal. Mais um.
O frio instalou-se nos corpos e em algumas almas.

Ao dar uma volta pelos blogs habituais, dou de caras com o aparecimento de 2 novos na aldeia: o Enguias de Escabeche e o Ardósia. A ambos, votos de posts alegres e de acordo com a orientação de cada um. Sede verdadeiros e evitareis invocar o nome de deus em vão ou andar a folhear a bíblia e outros apócrifos que tais para arranjar argumentos.

Estranho o silêncio de outros rapazes... para quando umas actualizações dos restantes murtoseiros? Com o frio das longas noites de inverno, é de esperar que as teclas sejam um bom refúgio.

Agora vamos ter mais uns tempos de publicidade eleitoral. Aguentem... é serviço.
Os militantes de causas imperiais encher-nos-ão os écrãs das TV's... os políticos virão distribuir aventais, canetas, preservativos, promessas, porta-chaves, pins e esperanças com przao de validade. A partir de agora convirá trazer uns sacos plásticos no bolso para recolher essas coisas todas e colocar no lixo (se houver um contentor por perto... pelo menos na Murtosa começa a ser difícil encontrar um...).

Com a paragem temporária das obras do saneamento, avizinha-se uma época de mais igual ao anterior: lama, águas pluviais retidas em mini lagos, fossas a transbordar na mesma, estradas aos solavancos, buracos sem sinalização, bermas sem bermas, paralelos soltos pelo meio da estrada, calhaus à solta pelas estradas e caminhos. Nada de novo.

Fica assim. Está bem.

quinta-feira, dezembro 23, 2004

A história repete-se...

" Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta
(...)
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta ate à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam na vida publica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na politica portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre, - como da roda duma lotaria.
A justiça ao arbítrio da Politica, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;
Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...) "

Guerra Junqueiro, in "Pátria", escrito em 1896

To be...

Diz a ministra da educação nacional que tenciona passar a decreto o ensino obrigatório da língua inglesa a partir do 1º Ciclo do Ensino Básico – 3º e 4º anos.
Esquece a douta demissionária que a esmagadora maioria das escolas já fazem isso há alguns anos, à sua custa, à custa dos pais, à custa de muita carolice.

Não é má a ideia, não senhor. Mas, quem lê isto nos jornais e não conhece a realidade, irá pensar que seja algo de profundamente inovador e revolucionário.

Resta saber em que condições é que esta actividade lectiva irá decorrer. Estranho tanta bondade, já que a realidade das escolas é uma luta constante contra os ataques economicistas do ministério da educação. O mesmo que agora vem dizer que vai alargar os cordões à bolsa. Será apenas porque as eleições estão a chegar?

Se querem a minha opinião, seria mais vantajoso para as escolas uma maior autonomia financeira e pedagógica, bem como a colocação de psicólogos escolares ou clínicos nas escolas.

A EBI da Torreira oferece Língua Inglesa, Educação Física e Educação Musical a todos os seus alunos (do pré-escolar até ao 4ºano do 1º CEB) desde o primeiro dia do seu funcionamento, nunca tendo feito disso alarido nem notícia.

O Infantário da Santa Casa da Misericórdia da Murtosa oferece (gratuitamente) Sensibilização à Língua Inglesa, Iniciação Musical e Educação Física e Motora a todas as suas crianças, desde o Infantário até ao ATL. Sem nunca ter feito alarido ou notícia nos jornais.

Portugal gosta muito de foguetes. Os nossos governantes adoram que as suas fotos apareçam nos jornais (enche os dossiers de recortes agradáveis). Mas há quem trabalhe em silêncio.

Ainda bem.

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Pré-Natais

Estamos na época pré-natal.
Nem mais.
A tal época da tolerância e do perdão, em que todas as celebridades mais ou menos conhecidas e as que o querem vir a ser, desatam a confessar o seu ilimitado amor pelo próximo e o excelso carinho pelas crianças abandonadas.
Nunca consegui sentir esse desmesurado carinho e amor pela humanidade, assim, sem mais nem menos, numa época definida pelo calendário.
Defeito meu, certamente.

É um tempo de espantos, este que vivemos agora.
Espantamo-nos com as iluminações das ruas e das lojas, avaliamos a capacidade de gestão de uma autarquia pelos watts pendurados nos postes, criticamos os excessos das despesas exigidas pela vida social de cada um, espantamo-nos com a família Beckman ter contratado um mordomo só para abrir os milhares de presentes que esperam encontrar debaixo da árvore da sua mansão, deploramos os sem-abrigo e exigimos soluções rápidas para esses problemas, entoamos canções da infância que nos trazem de volta memórias queridas. Vivemos no espanto pré-natal.

Vem tudo isto a propósito de algumas reflexões pessoais provocadas por um comentário num blog murtoseiro. Escrevi há tempos que “a realidade cegou-nos a vista cansada. Virámo-nos para o vento e aspirámos o suave perfume da maresia dando as costas ao futuro.Em silêncio esperamos o amanhã construído pelos outros.”
No fundo, a psicose murtoseira gira em torno deste facto ancestral: preferimos olhar o passado e deixar o futuro para os outros, ignorando que esse futuro já é hoje. Preferimos dizer mal de algo a arregaçar as mangas em favor de algo. É mais cómodo manter as distâncias, de modo a não corrermos riscos, de modo a não sermos julgados.
O tal comentarista anónimo afirmou que a Santa Casa da Murtosa estaria às portas da bancarrota. Não sei se uma instituição deste género possa arriscar tal fenómeno contabilístico. Duvido. Aprendi nas páginas do Padre Américo que as Instituições de bem-fazer não precisam de grandes fundos, precisam de pessoas com almas fundas. Se as instituições merecerem o apoio da comunidade, haverá sempre um amanhã. Mesmo com as bombardas que a Segurança Social e alguns jornais andam a lançar contra a Casa do Gaiato, não tenho a menor dúvida de que esta Obra permanecerá inalterada. Certamente sairá reforçada e renovada, pois irá buscar a sua mística às origens do Padre Américo. Em relação à Santa Casa da Misericórdia da Murtosa, a bancarrota não será uma preocupação a fazer sofrer as próximas gerações de murtoseiros. O que deveria preocupar os murtoseiros (todos) era o futuro (o hoje) da Murtosa. E a Murtosa não é a Câmara Municipal ou os políticos de passagem. A Murtosa é um povo, um conjunto de realidades sociais, comunitárias, culturais que não estão reféns de uma realidade política ou de uma única instituição. A Murtosa deveria ser repensada, refundada, re-amada pelos seus habitantes, quer tenham nascido nela quer não.
O “Jornal da Rua”, ao publicar um texto do Santos Sousa sobre o mal-dizer, vem sublinhar este problema que todas as terras sentem, não sendo exclusivo da Murtosa.
É mais fácil avaliar que ser avaliado.
Qualquer cidadão ao oferecer o seu tempo livre a uma instituição, clube ou associação, corre o risco de ser avaliado, de ser mal-interpretado, de ser interpelado pelos seus pares, de ser afastado ou de ser esquecido. Ninguém é eterno, nem ninguém deve confundir uma instituição com uma pessoa.
Somos peregrinos a prazo num mundo provisório e mágico, e quanto melhor soubermos compreender esse risco de efemeridade pessoal, mais facilmente saberemos assumir as responsabilidades de que cada comunidade necessita para viver e crescer.
Por vezes poderemos correr o risco da tentação de desejarmos ser reconhecidos pelo nosso trabalho ou de sermos levados em ombros pelos outros. Nada mais errado e falacioso. Ninguém gosta de carregar os outros aos ombros – só se for num caixão...

quinta-feira, dezembro 16, 2004

As moscas

Ao sacudir as moscas que o apoquentavam, sampaio tornou-se num rei das moscas num pequeno reino. Sacudindo estas moscas, abriu as portas a outras larvas ansiosas por serem moscas grandes.
É este o nosso grande dilema: que repasto seremos para tantas moscas parasitas? Sempre que se aproximam momentos eleitorais, há uma série de fantasmas que vão saindo dos seus armários para dar cobertura às moscas mais recentes: os tripulantes mortos contra uma parede de camarate periodicamente saem de seus túmulos e erram pela nossa memória colectiva em macabra procissão forçada. Muitos envergam as opas da oportunidade e vão arrastando lentos passos com semblantes pesados.
Outros gritam pela liberdade que sempre defenderam e pela qual iam sendo martirizados nos idos dos antes-de-abris. Todos sabem de tudo. Raramente se enganam, pois. Encomendam-se novos enxames a especialistas que se sentam nas suas bancas em pose de sábios ascéticos. As moscas, regressadas das fartas mesas europeias, contentam-se em satisfazer as exigências das novas rainhas para evitar o desaparecimento prematuro. Outras moscas, também regressadas, mas não queridas, contentam-se em zunir em torno de orelhas moucas.
Todos garantem resultados. As novas larvas metamorfosear-se-ão em novas moscas, pujantes, alegres, coligadas entre si.
Nós... bem, nós lá teremos que as andar a enxotar novamente...
Sampaio, sentado no seu trono de rei das moscas, lá se vai abanando para evitar que elas lhe tirem o sossego, tal qual o mais humilde dos seus súbditos. No fundo, também ele aspira à paz e ao sossego, longe das moscas. De todas as moscas... mas, até lá, tem que continuar a representar o seu papel de rei... das moscas. Que maçada...

quarta-feira, dezembro 08, 2004

Murtoseirices

Registo com alegria o descobrimento da Vox Populi, referida pelo Januário. Vi. Li. Gostei da frescura e novidade de alguém que eu desconheço, mas cujas ideias me deixam mais feliz por saber que a Murtosa vive e palpita nos jovens de hoje.

Fico triste por saber que tantos jovens recém formados não conseguem resposta para as suas ânsias na terra em que vivem. Esta fuga de "mais valias" para outras terras ou para o desânimo é um prejuízo irrecuperável para a Murtosa.

Um aspecto positivo da nossa terra é a nova onda de investimentos inteligentes a que vamos assistindo. Claro que não são a resposta para todos os problemas da Murtosa, mas vão ajudando a renovar a delicada face marinhoa.

Sublinho a Clínica de Pardelhas e o Café da Terra.

A primeira vai dando algumas respostas a que o serviço nacional de saúde não quer responder. As diversas especialidades disponíveis evitam deslocações incómodas a outras empresas e permitem um melhor acompanhamento da saúde de quem pode recorrer a estes serviços.

Lamento que a saúde na Murtosa vá de mal a péssimo. Quer a falta de meios, a falta de delicadeza de quem atende quem sofre, a inexistência de médicos em número suficiente, o habitual "reenvio" do problema para Salreu ou Aveiro. Tudo isto nos faz pensar se vale a pena existir um Centro de Saúde ou se ele existe de facto.

Do lado positivo temos o Café da Terra. Uma clara aposta na qualidade e na inovação.
Não sou frequentador habitual de cafés, muito menos à noite. Mas agrada-me estar alguns minutos no Café da Terra. Há conforto, bom gosto, limpeza, espaços bem definidos quer para quem quer conviver, quer para quem quer estar mais isolado.

Parabéns ao Agostinho e família pela aposta neste investimento e pela sua visão empresarial.

São dois exemplos de como é possível investir na Murtosa, gerar lucro, servir bem, criar emprego, oferecer qualidade e inserir-se na comunidade.
Quem tiver capital parado na banca ou na Bolsa, pode e deve estudar estes exemplos e analisar como é possível investir no futuro da sua terra.

domingo, dezembro 05, 2004

The Christmas Guest

It happened one day at December's end
Some neighbors called on an old-time friend.

And they found his shop so meager and mean,
Made gay with a thousand boughs of green.

And old Conrad was sitting with face ashine.
When he suddenly stopped as he stitched the twine.

And he said "My friends at dawn today,
When the cock was crowing the night away,

The Lord appeared in a dream to me.
And He said, 'I'm coming your guest to be"

So I've been busy with feet astir,
Strewing my shop with branches of fir.

The table is spread and the kettle is shined,
And over the rafters the holly is twined.

And now I'll wait for my Lord to appear;
And listen closely so I will hear,

His steps as he nears my humble place.
And I'll open the door and I'll look on his face."

Then his friends went home and left Conrad alone,
For this was the happiest day he had known.

For long since his family had passed away.
And Conrad had spent many a sad Christmas Day.

But he knew with the Lord as his Christmas guest,
This Christmas would be the dearest and best.

So he listened with only joy in his heart,
And with every sound he would rise with a start,

And looked for the Lord to be at his door.
Like the vision that he had had a few hours before.

So he ran to the window after hearing a sound,
But all he could see on the snow covered ground

Was a shabby beggar whose shoes were torn.
And all his clothes were ragged and worn.

But old Conrad was touched and he went to the door
And he said, "Your feet must be cold and sore.

I have some shoes in my shop for you.
And I have a coat to keep you warmer, too."

So with grateful heart the man went away.
But Conrad notice the time of day

And he wondered what made the dear Lord so late,
And how much longer he'd have to wait.

Then he heard another knock, and he ran to the door,
But it was only a stranger once more.

A bent old lady with a shawl of black,
And a bundle of kindling piled on her back.

But she asked only for a place to rest,
a place that was reserved, for Conrad's great guest.

But her voice seemed to plead, "Don't send me away,
Let me rest for awhile this Christmas Day."

So Conrad brewed her a steaming cup
And told her to sit at the table and sup.

After she had left, he was filled with dismay
For he saw that the hours were slipping away

The Lord had not come as He said He would
And Conrad felt sure he had misunderstood.

When out of the stillness he heard a cry.
"Please help, me and tell me - Where am I?"

So again he opened his friendly door.
And stood disappointed as twice before.

It was a child who had wandered away,
And was lost from her family on Christmas Day.

Again Conrad's heart was heavy and sad,
But he knew he could make this little girl glad.

So he called her in and he wiped her tears,
And he quieted all her childish fears.

Then he led her back to her home once more.
Then as he entered his own darkened door,

He knew that the Lord was not coming today,
For the hours of Christmas, had all passed away.

So he went to his room, and he knelt down to pray.
He said, "Lord, why did you delay?

What kept You from coming to call on me?
I wanted so much Your face to see."

Then softly, in the silence, a voice he heard.
"Lift up your head - I have kept My word.

Three times my shadow crossed your floor.
Three times I came to your lowly door.

I was the beggar with bruised cold feet;
I was the woman you gave something to eat;
I was the child on the homeless street.

Three times I knocked, three times I came in,
And each time I found the warmth of a friend.

Of all the gifts, love is the best.
I was honored to be your Christmas guest.


Jingle Bells, Jingle Bells


Mais uma vez, o Natal está a chegar à Murtosa. Desta vez chega com o Pai Natal insuflado, com as suas renas e ajudantes, também insuflados.
Por vezes até julgo que vivemos num país insuflado... e não vivemos?

terça-feira, novembro 30, 2004

Solução para a Dissolução

Eis que Sampaio despachou Santana.
Eis que Santana terá que explicar ao Portas o problema da incubadora de família.
Há quem ache que Sampaio deu corda ao Santana para se enforcar com alegria. Assim o fez.
Os boys já andam à procura de soluções para essa dissolução; quer os que estão de saída, quer os que já estarão a arrumar os papéis para entrar.
Mudarão os palhaços. O espectáculo continuará triste.
Soares fará 80 anos de sebo político, rodeado de amigos ufanos e felizes.
Sócrates pensará novas teorias de abordagem ao poder.
Santana e Portas já andam de calculadora na mão.
Portugal segue dentro de momentos...

sexta-feira, novembro 19, 2004


E foi assim que se fez festa numa noite de alegria e boa disposição,
com várias gerações de murtoseiros divertidos...

Desnobelizar?

Há uns britânicos que querem retirar o Prémio Nóbel ao nosso vizinho Egas. Acusam-no de ter criado uma técnica cirúrgica que piorou a qualidade de vida a milhares de seres humanos, transformando-os em vegetais apáticos. (creio que alguns ainda andam no governo...).
Por mim, podem retirar-lhe o Nobel à vontade... o Egas já nem se deve importar muito.
O facto é que o senhor enquanto foi deputado do reino, impediu que a Murtosa pudesse tornar-se concelho independente de Estarreja. Só em 1926 é que se conseguiu esse sonho.

Mas... há outro "nóbeis" que também podem ter alguns problemas... basta lembrar algumas figuras vivas ou já falecidas que os receberam pelos seus esforços "de Paz"... ?

Náusea

Peço desculpa aos meus dois ou três leitores por ter esta coisa estar tão parada e sem ideias.
Estou numa das minhas fases de náuseas profundas. Sinto uma enorme náusea política-cívica-social-religiosa-tecnológica-educativa-humana, que me tem deixado completamente prostrado.
Sempre que ouço um político só páro na sanita aos vómitos. Quando leio promessas de renovações (seja de que tipo for...) fico completamente agoniado. Quando leio pareceres e opiniões de entidades e "opinion makers" fico louco com cefaleias muito prolongadas.

Por isso, e para não escrever ainda mais coisas que possam provocar incómodo (a mim ou a terceiros), tenho-me abstido dessas tentações.
Espero que passe.
O Natal está aí e, com ele, a minha habitual depressão de época.
Esperemos por melhores dias... um dia.
Quem sabe?

sexta-feira, outubro 15, 2004

Mundos

Cedo se conheceram e cedo se amaram.
Cedo se juntaram e ainda mais cedo se abandonaram.
Deles ficou apenas o cedo.
Deste resto, que nem resto seria se não houvesse quem ficasse para contar a história, sobrou uma vida sem tempo e sem pressa e sem conhecer a razão que a criou.
São estas vidas que fazem uma parte da Murtosa em que vivemos e a quem todos os dias viramos a face. Nem por isso deixam de viver sem tempo e fora do nosso tempo.
Espanta-me sempre que estas vidas estejam em galáxias tão longe do meu mundo. Sim, eu também sou um dos que viram a face, mesmo quando escrevo estas palavras cheias de conforto e pantufas do meu mundo.
Quando tenho que olhar nesses olhos sem tempo fico sem saber se estou no presente ou num tempo que não existe para além da minha dimensão.
Ouço-lhes as palavras e as ideias, penso como são estranhas à minha realidade e fico sem capacidade de resposta.

Hoje apareceu-me um rapazito. Um garoto em corpo de gente crescida. Olhar duro, palavras curtas, jeitos medrosos de quem não quer ouvir nem ser ouvido. Era minha obrigação fazê-lo ouvir coisas em que ele não estava interessado. Ouviu-me com os olhos distantes e os nervos a crescerem a cada som da minha boca. Continuou a ouvir-me sem mostrar interesse, cada vez mais longe.
Já na recta final das minhas palavras sem interesse, surgiu um interesse por ele e pela família. Não... já não ia ao rio... era o irmão mais velho que ia... e o outro também. E o pai? Esse não podia ir... tinham-lhe metido bruxedo na bateira. Sempre que entrava na bateira, não se pescava nada. Saindo da bateira, o peixe regressava. Assim, os irmãos pescam (ele também) e o pai anda na bruxa a desfazer o feitiço que lhe lançaram por inveja.

Caí do meu mundo.
Caí no dele.
Para quê as minhas palavras quando os mundos são tão diferentes?
Como chegar a este mundo sem o rasgar em bocados e desfazer as vidas que nele se movimentam?
Que pasto é este que alimenta tanta charlatanice viçosa?
Que está a falhar neste circuito de mundos paralelos e contínuos?

Olhei para o calendário, só para me certificar.
Sim... estamos em 2004... na Murtosa... em Portugal.

Estaremos...?

segunda-feira, outubro 11, 2004

Nobel de Economia para todos os portugueses, já!

Ouvi agora que os dois professores que ganharam o prémio Nobel da Economia defendem que o povo não deve confiar nos políticos.
Olha que grande novidade...

Proh dolor!

Adormeci no sofá!
Ó desgraça!
Perdi a conversa em família do presidente do conselho...
Terei perdido pérolas de sabedoria e de esperança?

domingo, outubro 10, 2004

Grupo Musical Bunheirense

Para quem conhece, as apresentações são desnecessárias...
Os restantes devem passar pelo Grupo Musical Bunheirense, uma das iniciativas mais válidas do Bunheiro e que ajudam a manter viva a esperança de surgirem outras coisas boas pela Murtosa.
Parabéns pelo site, parabéns pelo grupo e pela paixão de se manterem há tantas gerações a palpitar de vida e energia.

quarta-feira, outubro 06, 2004

Um postal de Natal (V)

Um Postal de Natal
(Uma história de amigos invisíveis)

V

De facto, na despensa do João havia de tudo o que era necessário para bastante tempo. Dediquei-me a cozinhar, muito embora fosse um exercício que não praticava havia algum tempo. Depois de uma refeição rápida e pouco apaladada dediquei uns instantes a meter alguma da minha roupa no armário do quarto onde me instalei. A curiosidade foi mais forte que eu e fui espreitando a casa toda, em busca de coisas que me pudessem falar do meu amigo de infância. Pouco ou nada havia na casa que a fizesse semelhante a um lar. Alguns quadros de muito bom gosto, mas poucas fotografias, apenas uma, idêntica à minha, connosco os dois quando tínhamos 9 anos, na escola.Nada da sua vida passada estava patente naquela casa. Recordei um pouco e lembrei-me que ele se tinha instalado naquela morada havia mais ou menos 3 anos... e dava a impressão que ainda havia muita coisa em caixotes. De facto, tudo mostrava que o João não era pessoa de gastar muito tempo em casa, muito menos na casa.À medida que a noite caía e a neve se amontoava nas janelas, fui desfiando as experiências destes últimos dois dias. A confusão era enorme... parecia-me um plano urdido com muita atenção por parte do João; desde a devolução do postal de Natal, a certeza de que eu viria aos Estados Unidos, a vizinha com a chave da casa, a secretária dele. Tudo me parecia tão estranho.Na televisão passavam filmes e séries alusivas ao Natal e só então percebi que no dia seguinte seria a véspera de Natal. O cansaço e a diferença horária bateram-me em cheio e adormeci no sofá da sala, vestido e com a televisão acesa.Acordei pelas 4 da manhã, enganado pela diferença horária. Estava a acabar um velho filme na televisão. Fui tomar um duche muito quente para ver se adormecia novamente.Embrulhado num toalhão de banho, deambulei pela casa. Entrei no escritório dele. Estava tudo muito arrumado – quem me dera ser assim, suspirei. Não mexi em nada, por uma questão de respeito ao meu amigo e porque também não gostava que mexessem nas minhas coisas.Peguei no telefone e liguei para Killybegs. Atendeu a mãe, muito alegre, apesar de serem sete da manhã lá. Disse-me estar tudo bem e perguntou se eu estaria a tempo da noite de Natal. Pensei um pouco e respondi que ainda não tinha grandes certezas de nada, pois não conseguira perceber o que estava a acontecer e relatei-lhe os factos e as ideias que fui colhendo ao longo do dia. Concordou comigo sobre a hipótese de permanecer em New York mais uns tempos. Lamentou a minha ausência no Natal – a primeira vez desde que me acolheram. A família iria estar toda reunida, como habitualmente.Desliguei o telefone. Senti-me triste e só.Percebi que as pessoas que constituem a nossa família são a coisa mais importante do mundo. Sem elas ficamos sós, sem apoios.Com todos estes pensamentos e com uma imensa saudade da Irlanda, consegui adormecer novamente.Quando acordei, passava das dez da manhã, senti frio. Fui à janela e vi que continuava a nevar, agora com mais intensidade.Resolvi ficar por casa e explorar o resto da casa, da garagem e do pequeno quintal da casa. Mas foi uma resolução pouco produtiva, pois tudo o resto, à semelhança da casa, pouco me dizia do meu amigo ausente.Sentei-me no sofá a bebericar um café muito forte que preparei, e fiquei a ver as notícias. Tudo na televisão anunciava a véspera de Natal.À medida que o tempo passava, fui fazendo contas mentais e tentando prever o que se estaria a passar em Killybegs, com as 5 horas de diferença entre nós. Seriam umas dezanove horas lá quando tocou o telefone da casa. Atendi. Eram os meus irmãos a perguntar por mim. Tinham acabado de chegar a casa e desejavam-me feliz noite de Natal, lamentando a minha ausência.Passada uma hora, com as saudades a aumentar exponencialmente, o telefone tocou novamente. Eram os pais que me desejavam, também, feliz noite de Natal. Informaram que se iam preparar para dar início ao jantar de Natal. A mãe perguntou onde é que eu iria passar a noite e eu disse que estava muito cansado, e que resolvi ficar por casa.O tempo foi passando e a noite chegou a New York. Acendi a lareira com a lenha que havia na garagem. Nem me dei ao trabalho de ligar as luzes. Sentei-me no sofá e fui vendo as labaredas a lamber a lenha e a projectar a sua luz fantasmagórica nas paredes da sala do João.Estava só, como nunca me sentira na vida.A nostalgia era enorme. Na Irlanda deveriam estar a iniciar a troca de presentes... e eu a milhares de quilómetros. Sozinho.Foi aí que se fez luz na minha mente!Como pudera ter sido tão burro toda a minha vida! Tão cego e tão egoísta!Enquanto eu sempre tive o amor e o carinho da minha família, o João passou a maior parte da sua vida só. A família de acolhimento não lhe deu o apoio que eu tive da minha. Cedo ficou só, logo a seguir a terminar o curso. O seu casamento durou pouco tempo, também.Meu Deus! Quantos Natais passara ele assim... só. Sem ninguém. Sabendo que eu estava feliz com a minha família!As suas cartas no Natal, ao longo de todos estes anos, deveriam estar cheias de saudade e de tristeza e eu nunca percebi. A minha habitual alegria natalícia sempre me levara a pensar que ele estaria bem e feliz.Agora compreendia tudo.Ele quisera-me mostrar o “seu” Natal. Não tivera coragem de me contar tudo isto nas suas cartas.Cansou-se de ser infeliz sem poder partilhar comigo essa dor. Deveria ter receio de me magoar.Estava imerso nestes pensamentos, sentindo-me profundamente triste pelo meu amigo, quando tocou o telefone.- Está? Daqui é o João.- João? Estou em tua casa. Onde estás? Que te aconteceu, amigo?As nossas vozes assustaram-nos, mas eu estava pouco preocupado com isso, agora.- Estou bem. Não te preocupes. Tens tudo o que precisas aí? Deixei-te a casa com tudo o que poderia ser necessário. Não te falta nada, amigo?- Obrigado, João. Está tudo óptimo. Mas faltas-me tu e a minha família. Porque é que nunca me disseste que passavas o Natal sozinho? Só agora compreendi tudo, João. Perdoa-me todos estes anos de egoísmo.- Eu sabia que compreenderias. Não me leves a mal a partida que te preguei.- Onde estás? Eu vou ter contigo!- Nem imaginas onde... Olha, há aqui alguém que te quer falar.Nem quis acreditar no que os meus ouvidos ouviam. Era a voz da mãe, em Killybegs!Ela pedia-me desculpa pela partida que ela e o João me pregaram. Sim, tinha sido ela a perceber, muito antes de mim, que o João deveria viver muito só e combinou com ele um esquema para me fazer sentir o que era a solidão.Ele estava em Killybegs.Eu estava em New York.Trocáramos de lado no espelho!Foi o princípio de uma nova fase nas nossas vidas!As cartas iriam circular à mesma, mas, daqui em diante, as visitas passariam a fazer parte das nossas vidas. Nunca mais ele passaria um Natal sozinho!Os espelhos são demasiadamente frios para se viver neles. A vida precisa de calor.
Foi isso que aprendi naquele Natal.

Um postal de Natal (IV)

Um Postal de Natal
(Uma história de amigos invisíveis)

IV

Não percebi se estava a sonhar ou se a realidade se abatera sobre mim, mas a minha cabeça estava a latejar com dores. Seria do charuto ou de todas as outras coisas. Entrava pelos cortinados do quarto uma forte luz matinal, pouco concordante com a minha ideia de Inverno. Mas era. Era uma manhã luminosa e gelada. Nevara durante a noite e os telhados dos prédios mais baixos que o meu quarto do hotel estavam cobertos de uma imaculada brancura invernal. Lá no fundo, na rua, circulavam centenas de automóveis, com a pressa-lentidão habitual das grandes cidades. Reparei no meu relógio de pulso, mas nada me dizia, pois ainda estava regulado pelo horário irlandês. Liguei a televisão e sentei-me na cama a ver as notícias desse dia. Aproveitei para acertar o relógio. Ainda não estava a sentir a diferença horária... isso viria logo mais.
Desci para tomar o pequeno almoço e pedi algumas informações na recepção sobre a melhor forma de chegar à morada que trazia gravada a fogo na memória. Disseram-me que ficava fora do centro da cidade, e o melhor seria usar um táxi. Grande novidade.
Na rua, passados poucos instantes, o porteiro usou o seu potente apito e quase milagrosamente surge um táxi. Entro e indico a morada. Tenho que repetir 3 vezes, muito devagar, para que o taxista – desta vez é um colombiano de tez escura e cabelo muito oleoso – perceba para onde quero ir.
A paisagem vai passando de selva de cimento e carne humana para estradas largas e áreas cobertas de neve, até passar para ruas com casas unifamiliares, todas iluminadas para o Natal. Dos pais natal das esquinas do centro da cidade passámos para miríades de pais natal de plástico nos jardins, devidamente acompanhados das renas e trenós de todos os tamanhos imagináveis.
Depois de algumas curvas, o táxi travou em frente a uma casa muito igual a todas as outras, mas sem enfeites de Natal ou renas. Nada.
Pedi ao taxista que esperasse e fui até à porta da casa.
Vi a identificação na caixa do correio.
Sim. A casa era a dele.
Toquei à campainha. Esperei.
Toquei novamente, mais demoradamente.
Nada.
Reparei que o passeio de acesso à garagem estava coberto de neve, pelo que ninguém saíra nesse dia.
Preparava-me para dar uma volta à casa quando vejo aproximar-se uma senhora de idade, muito sorridente que me pergunta o meu nome. Mal lhe digo quem sou, ela entrega-me uma chave.
- O João mandou-me entregar esta chave ao senhor, se alguma vez passasse por cá. Se precisar de alguma coisa, eu vivo na casa ao lado. Vou para dentro, que está muito frio para uma pessoa da minha idade. Adeus.
Quase que nem tive tempo de agradecer.
Fiz sinal ao taxista para me esperar mais alguns momentos.
Abri a porta da frente com a chave que a vizinha me dera.
Entrei.
Em cima da mesa de entrada havia um envelope. Conheci a caligrafia. Abri-o e lá dentro estava um bilhete. Aproximei-me da entrada para ter mais luz e, por entre o vapor da minha respiração fui lendo.
“Viva, caríssimo. Se estiveres a ler esta carta, é porque quebraste a barreira do tempo e entraste na minha casa. Sê bem vindo. Se desejares podes instalar-te com todo o conforto nesta casa. Deixei-te a despensa repleta. Nada te faltará, desde que saibas cozinhar, claro... Desculpa o postal de Natal que te foi devolvido, são coisas que acontecem. Não fiques nervoso a pensar que me vais encontrar daqui a instantes. Eu não estou nos Estados Unidos. Em breve receberás notícias minhas. Instala-te cá.
João.”
Estupefacto, olhei em volta. Era uma casa normal, igual a tantas outras.
Saí. Fechei a porta e fui a casa da vizinha. Toquei à campainha. A senhora abriu a porta e perguntou se eu precisava de alguma coisa. Pedi-lhe informações do meu amigo. Ela fechou a cara e disse-me que não sabia de nada. O João era um óptimo vizinho, mas nunca lhe contava nada da sua vida. Passava muitas semanas fora de casa e deixava-lhe sempre a chave, com o pedido de a entregar a uma pessoa que ela não conhecesse e que lhe desse a identificação que eu lhe dei. Disse-me que pensava tratar-se de uma brincadeira do vizinho, e só hoje percebeu que de facto existia a pessoa que ele sempre referia ao deixar a casa. Nada mais sabia.
Agradeci-lhe e regressei ao táxi, dizendo-lhe que me levasse aos serviços públicos da cidade.
Lá chegados, dirigi-me ao sector de circulação urbana e perguntei pelo Engenheiro João. Depois de me identificar, a secretária dele mandou-me entrar para um gabinete que depois percebi que era o do meu amigo e fui informado que ele estava de férias. Disse-me a secretária que, pela primeira vez o engenheiro não lhe tinha dito para onde iria nem lhe deixara contacto. Era a época de Natal e pouco havia a fazer no sector da circulação urbana, por isso o engenheiro tirara as férias que não gozara nesse verão. No entanto, estendeu-me um envelope que o engenheiro lhe tinha deixado para me entregar, caso eu passasse por lá.
Era o meu segundo espanto no mesmo dia.
Outro bilhete...
“Com que então estás transformado em detective... eu sabia que virias cá logo que não me encontrasses em casa. Espero que a minha vizinha te tenha dado a chave lá de casa. Usa-a. A minha secretária dar-te-á as chaves do meu carro, que está na garagem em casa. Espero que gostes da minha cidade.
João.”
Acabara de ler o bilhete e a sorridente secretária do meu amigo entrega-me uma chave de carro.
- As ordens que o engenheiro me deixou estão cumpridas. Bilhete e chave. Tudo entregue. Se precisar de mais algo, disponha.
Agradeci a simpatia e o café que me oferecera entretanto.
Saí para a rua.
O frio bateu-me em cheio e parecia-me que estava a acordar de um sonho. Com os ossos gelados, fiz sinal a um táxi e fui para o hotel.
Nesse mesmo dia mudei-me para casa do meu amigo.

domingo, outubro 03, 2004

Um postal de Natal (III)

Um Postal de Natal
(Uma história de amigos invisíveis)

III


“Duty free”, “duty free”.
Despertei ao som da hospedeira que circulava entre os passageiros a oferecer cigarros, perfumes e relógios sem impostos. Olhei pela janela do avião e só havia nuvens lá em baixo. Segundo o monitor do avião, estávamos a duas horas de New York. Duas horas e meia já tinham passado sem que eu desse por ela. A pressa de chegar a Dublin para embarcar na Air Lingus para New York e a confusão mental em que me encontrava foram mais fortes que eu e aproveitei o som dos motores do avião para adormecer profundamente.
Passei em revista o plano que ainda nem gizara. Iria para New York, instalar-me-ia num hotel qualquer e depois procuraria, na morada que tinha, o paradeiro do meu amigo.
Foi um verdadeiro acto de coragem, o embarcar para New York, 30 anos depois de lá ter saído. À medida que o avião se aproximava do destino, aumentava a minha ansiedade.
Recolhida a mala e carimbados todos os papéis necessários a permanecer nos Estados Unidos por tempo limitado, ainda tive que responder a um inquérito que queria saber se eu trazia animais, comida ou sementes. Ri-me interiormente com a ideia de poder ser considerado um traficante de animais e sementes...
Ainda não tinha respirado a primeira lufada de ar fora do aeroporto e já tinha um taxista a travar ruidosamente a centímetros de mim. Só tive tempo de atirar a mala para o banco de trás e sentar-me e o tipo arrancou a uma velocidade louca até à ligação com a estrada principal. Só então me olhou pelo espelho retrovisor e, numa língua estranha articulou:
- Wea tu?
Foi aí que acordei do atordoamento em que estava desde que embarquei em Dublin. Olhei para o homem e percebi que ele trazia um turbante na cabeça e repetiu a pergunta:
- Wea tu? iú spique iglish?
Respondi que sim. Percebi que ele queria saber para onde é que eu queria ir... dei-lhe a direcção de um hotel que vi numa revista em Dublin e que, segundo os meus cálculos, não estaria muito longe da morada do meu amigo.
- Ok. We be dé in an áua. – disse ele… percebi que demoraria uma hora…
As zonas em redor do aeroporto, que ia ficando para trás, estavam cobertas de um manto de branco sujo. Nevara dias antes, percebi do arrazoado do meu taxista indiano. Ao entrar na zona habitacional da cidade, os passeios estavam pejados de pessoas que corriam apressadamente de um lado para o outro.
Pensei como as pessoas são iguais em qualquer parte do globo.
As montras estavam todas decoradas de acordo com a época e viam-se Pais Natal em cada esquina da cidade. A hora prometida pelo indiano estendeu-se por mais uma e depois mais 30 minutos, até que numa travagem destemida, disse-me ele:
- hea we á. Plaza Hotel. It’s an andred an tuenti dollás.
Paguei, dei gorjeta (é uma ofensa capital não dar gorjeta naquele país... nem mais nem menos que 10% sobre os valores pagos...), saí do táxi com perfume a caril e canela e fui-me instalar no hotel.
Depois de um longo e calmo banho, antes de descer para jantar, ainda tentei mais uma vez telefonar ao meu amigo. Em vão. Não obtive qualquer resposta. Depois telefonei para a Irlanda e informei os meus pais que tinha chegado bem.
Desci à sala de jantar e refastelei-me com um imponente bife, bem regado com um bom vinho californiano. No bar li alguns jornais do dia, terminei o meu charuto com um generoso copo de Whisky Irlandês e fui para o quarto.
Aí adormeci profundamente, cansado da procura, da viagem, do bife e do charuto, ainda com o som dos motores do avião nos ouvidos e com o cheiro a caril e canela do táxi nas narinas.

sábado, outubro 02, 2004

Um postal de Natal (II)

Um Postal de Natal
(Uma história de amigos invisíveis)
II


Com a passagem dos dias, e sem que conseguisse perceber a razão da devolução do postal nem, tão pouco, a ausência que ia pesando como chumbo, foi-se-me insinuando a certeza de que algo estaria errado. Profundamente errado.
Houve uma altura, teríamos 16 anos, que propusemos trocar números de telefone para podermos falar um com o outro. A primeira vez que ouvimos a voz um do outro foi um choque tremendo. A imagem infantil que permanecia em nós ficou abalada com a realidade. Sem que fosse preciso tomar a decisão de forma explícita, o facto é que nunca mais nos telefonámos, muito embora tivéssemos sempre o número um do outro.
Consegui reunir a coragem suficiente para teclar os algarismos todos e, com o auscultador a tremer-me na mão, deixei que tocasse algumas vezes. Ninguém atendeu.
Nesse dia ainda voltei a tentar a ligação mais duas vezes. Sem resultado. Se dúvida houvera, a certeza ia tomando o seu lugar em grandes passadas.
Algo acontecera.
Impunham-se grandes resoluções.
Resoluções rápidas.
Decisões tremendas.
Que fazer?
Mandar outro postal de Natal? Escrever uma carta? Tentar a ligação telefónica novamente?
Decidir enviar um telegrama.
Telefonei para o serviço de telegramas. Ditei o texto. Ouvi a menina repetir as palavras ditadas (pareceu-me muito impessoal... o que eu ditara saiu-me com sentimento e o que me foi lido chegou-me numa onda de frieza profissional... estremeci.), confirmei a mensagem e desliguei.
No telegrama pedia-lhe que me dissesse o que estava a acontecer, que me explicasse a razão da ausência que se estava a tornar do tamanho do mundo.
Esperei um dia. Dois.
Nada.
Entretanto fui tentando a ligação telefónica.
Também nada.
Em completo desespero interior, fui pesando as hipóteses de acção, já que as primeiras estavam todas falhadas e sem solução.
A ideia de uma viagem ia tomando corpo. Cada dia parecia-me mais inevitável.
Caminhei pelas ruas já iluminadas para o Natal que se aproximava. Ia esbarrando nas pessoas que passavam apressadas. Em cada rosto fui lendo anonimatos que se arrastavam pelas mesmas ruas dia após dia. Foram poucas as caras alegres que vi. Foram poucos os sorrisos a que tive de responder com sorriso. Mesmo no meio do ruído da cidade consegui ouvir os meus passos no cimento do passeio. Por entre a pressa das pessoas e o frio que se fazia sentir consegui pensar e ordenar as ideias que andavam tão confusas.
Decidi.
Entrei numa agência de viagens e marquei passagem de avião para daí a dois dias.
Com o mesmo espírito resoluto entrei em casa, tirei a mala da lado do armário, sacudi-lhe o pó e fui enchendo-a com o indispensável para a viagem. Mentalmente fui tentando evitar que a minha consciência me interrogasse acerca desta decisão tão precipitada.
Nessa noite, depois de uma última tentativa de ligação telefónica, enquanto ouvia uma música calma e compassada, deixei que a minha mente me fugisse por uns instantes.
Revi toda uma infância com o meu amigo de 30 anos de ausência. Os sonhos infantis, os projectos, as desilusões de infância... tudo foi desfilando novamente.
Que tipo de relação havia entre nós? Teria um nome? Como compreender os sentimentos que conseguíamos ter durante tantos anos de ausência? Seria patológica uma relação destas?
Numa era em que quase tudo tem um nome e uma descrição avalizada por vários doutores de várias coisas, a nossa relação de certeza que era tão órfã quanto nós sempre fomos. A ausência de amor maternal levou-nos a procurar um no outro a solução para a falta de afectos logo desde os nossos 4 anos de idade. Acho eu. Este problema foi falado por diversas vezes nas nossas trocas de correspondência. Fomos concluindo que crescemos mutuamente apoiados um no outro, na esperança de conseguirmos superar os nossos medos, receios e incertezas. Este processo permitiu-nos uma proximidade incrível. A presença ausente, o tempo de mediação entre cada afirmação e confirmação, foi-nos permitindo cimentar os nossos caracteres pessoais de forma muito sólida. No tempo que mediava entre as nossas cartas tínhamos que ter soluções: o mundo rodava sem esperar por nós e pelos correios. E fomos encontrando essas soluções dentro de nós mesmos.
Conseguimos crescer lado a lado, com um oceano entre nós.
A vida fora-lhe mais pesada. As pessoas que o acolheram não tinham grandes meios. A sua formação escolar foi sendo feita no sistema público de ensino (cheia de problemas e de falhas). Cursou engenharia mecânica, tendo-se especializado em circuitos urbanos. Ainda não terminara o curso e conseguiu lugar nos serviços públicos da cidade onde vivia. Enquanto estudou foi dependendo de bolsas de estudo e trabalhou sempre nos tempos livres. Ao terminar o curso foi admitido como engenheiro da secção de trânsito da cidade. Aí permaneceu. Feliz. Nas cartas falava-me da alegria que sentia quando conseguia melhorar a fluidez do trânsito da cidade graças a alterações de sentido em algumas ruas, mudança de temporização de alguns semáforos. Era a sua vida. As palavras que atravessavam o oceano vinham cheias de esperança e de alegria. Falava sempre do amanhã. Raramente referia o passado. Muito menos o avaliava ou julgava.
Quer ele, quer eu, sempre considerámos que a vida só nos dera coisas boas. Nunca encontrámos espaço para destruir o passado ou acusá-lo das dificuldades que sentimos ao longo da vida.
Eu tive mais sorte. A família que me recebeu deslocou-se para outro país. Eram pessoas que estavam muito confortáveis na vida. As deslocações eram coisas habituais na sua vida e, ao longo dos 15 anos seguintes, percorri 5 países diferentes. Sempre que o “pai” era promovido, a consequência mais imediata era a preparação das malas e o início de hábitos novos numa terra nova.
Fui sempre muito apoiado por todos. A família tinha mais 2 filhos do casamento. Nunca me senti diferente deles. Fui incentivado a estudar. Nunca me obrigaram tomar decisões de acordo com os seus gostos. Os filhos do casal seguiram os passos do pai e estudaram Economia e Direito, respectivamente. Eles eram mais velhos que eu. Vi-os pensar nos cursos, e fui colhendo aprendizagens. Sempre tive um feitio muito reservado e silencioso: gosto mais de ouvir que de falar. Assim, pude pensar calmamente e optei por Direito. Percebi que todos ficaram muito agradados com a minha escolha.
Consegui acabar o curso antes de nova promoção do pai. Ainda com o canudo fresco, fiz as malas e partimos todos para a Irlanda. Os anos já iam pesando ao pai. A firma exigia-lhe muita atenção e o desgaste ia-se notando promoção atrás de promoção.
Desta vez, logo que instalados na aldeia de Killybegs, o pai declarou que se tratou da última viagem que se fazia. Ir-se-ia reformar daí a 3 anos. A decisão de ficar na Irlanda fora tomada em família e por unanimidade. O que nos apaixonou a todos foi a imensidão daquele verde e o azul do mar da Irlanda.
Semanas depois da chegada, tive oportunidade de escrever ao meu amigo de infância eterna e na resposta ele disse-me que sentira nas minhas palavras o perfume do mar e a frescura da relva. Disse-me que agora estávamos mais perto um do outro, pois o mar unia-nos, costa a costa. Ele estava na Nova Inglaterra, em New York, e eu estava em Killybegs. Com sorte, gracejava ele, podíamo-nos pôr em bicos de pés e vermo-nos um ao outro.
Consegui entrar numa sociedade de advogados com alguma influência nas cidades vizinhas da aldeia. Mas era na aldeia que eu me sentia livre e feliz.
Com a aposentação do pai, a família tornou-se muito mais alegre, pois todos fomos conseguindo encontrar tempo para dedicar uns aos outros. Os anos seguintes foram trazendo outros anos. Os filhos casaram-se com raparigas irlandesas e mudaram-se. O mais velho, o economista, foi para Dublin. O advogado rumou ao sul e lançou as bases de uma grande sociedade de advocacia transeuropeia a partir de Cork.
Eu fui ficando pela minha Killybegs, pelo silêncio da enseada que todos os dias recebia os barcos da pesca. À noite ouvia as canções vindas dos bares da rua principal e que subiam as encostas até à casa que eu escolhi para ser o meu refúgio de fim de dia. Os “meus” pais viviam a menos de 2 km da minha casa. O facto de eu ter ficado junto deles deixou os filhos mais tranquilos nas suas vidas profissionais.
Nunca me consegui decidir a casar. Creio que sempre tive medo de perder o meu espaço próprio. Partilhar foi sempre uma coisa que eu fiz sem qualquer sacrifício e sempre com alegria. Se o casamento fosse apenas um problema de partilha, creio que seria o mais feliz dos maridos. Cedo percebi que casar seria mais que partilhar, pois passava pelo problema de tornar único o que era dúplice. Não consegui convencer-me a arriscar tanto. Confessei, nessa altura, que me sentia demasiadamente preso a mim próprio para poder prescindir dessa posse a favor de outra pessoa.
Sei que me irei arrepender desse medo e dessa incapacidade de doação, mas tenho a consciência tranquila.
O meu amigo casou. Doou-se. Feriu-se. Saiu de um casamento muito doloroso, depois de 5 anos de silêncios agrestes.
Será que o nosso passado nos marcou tanto em tão pouco tempo e perdemos a capacidade de amar sem limites?
Talvez. Nunca concluímos por uma das hipóteses. Nas nossas cartas desses tempos fomos falando do tema, sem que nenhum de nós o tenha encerrado e sem sentir qualquer necessidade de o fazer.

segunda-feira, setembro 27, 2004

Um postal de Natal

Um postal de Natal
(uma história de amigos invisíveis)

I

Esta coisa começa e acaba com um postal que me regressou às mãos, por delicadeza dos serviços postais, que não encontraram o destinatário no local onde eu achava que estaria. Fiz tudo o que deveria fazer, correctamente, mas a coisa não funcionou como esperava e o papelito colorido regressou ao dono que já não esperava ser dono novamente. Quando se dá algo, ficamos com a alegria de se ter partilhado algo de nosso, mas quando esse algo regressa sentimo-nos incompreendidos, tristes, incapazes de compreender porque fomos rejeitados. Os postais têm esse dom... acho eu. Escolhemos um pedaço de cartolina colorida, escrevinhamos o que achamos serem coisas interessantes, endereçamo-los com cuidado e esperamos que eles encontrem o seu novo dono e que lhe dêem a alegria que sentimos ao enviá-los. Ficamos com a esperança do contacto ser feito de forma completa e que consigam transmitir o que pensávamos no momento do seu envio.
Foi assim com esse postal. Mas regressou, sem dono, qual órfão indesejado por todos e por muitos manipulado, carimbado, transportado e reenviado ao remetente. Deu-me que pensar, essa cartolina já amarrotada de tanta viagem. Pensei em quem queria alegrar e nas razões do regresso das minhas intenções. Farrapos de pensamento que voam mais depressa que os postais e que me obrigam a recolhê-los no fundo das lembranças para um dia repensar tudo o que fiz de bem e de mal, à velocidade da luz. Não o queria de volta. De mais a mais tinha escrevinhado umas coisas que não me apetecia estar a rever. Fica-se com a sensação de vergonha, ao receber de volta o que se enviou. Pensei na tarefa dos carteiros que andam de porta em porta a entregar as coisas mais ridículas que se possam imaginar.
Bom, mas isto nada tem a ver com o que se passou de facto.
Vamos avançar, antes que caias a dormir de cansaço de leitura de coisas sem interesse.
O facto é que o postal regressou ingloriamente ao ponto de partida e eu fiquei sem perceber a razão. Estamos de acordo?
Agora, vamos tentar perceber a arquitectura desta historieta.
Acontece que o postal deveria ter encontrado alguém a quem eu desejava dar um momento de alegria, já que a distância e a ocupação habitual não me permitiam dar essa alegria pessoalmente. Separavam-nos 30 anos de envelhecimento e ausência mútua. A amizade nascera numa infância difícil e foi-se mantendo ao longo desses 30 anos sem que outros contactos existissem para além dos papéis que fazíamos circular pelas mãos de diversos carteiros entre dois continentes separados pelo mar.
A infância decorrera de forma relativamente acidentada. As lembranças que tínhamos não nos permitiam recuar muito no tempo, mas lembrávamos cenas estranhas, gritos, confusões, desconforto. Encontrámo-nos numa casa que nos recebeu quase ao mesmo tempo e que nos apoiou ao longo de 10 anos de vida em comum. A separação deu-se nessa altura delicada das nossas vidas, tendo cada um seguido caminhos divergentes. A agravar isto, a distância tudo fez para criar esquecimento. Só muita obstinação e amizade é que nos conseguiram manter em contacto. Aprendemos rapidamente as virtudes da troca de correspondência e, sempre que nos era permitido, os carteiros em dois continentes diferentes andavam a passear papéis nossos. Foram 30 anos de trocas de ideias, sentimentos, episódios de vida, dúvidas, diferenças de pensamento, sem que nunca tenhamos tido a coragem para um reencontro pessoal. Tacitamente resolvemos nunca trocar fotografias. Apenas palavras. Descobrimos que, por esse motivo, continuámos a ter apenas 10 anos. Nada mais. Crescemos à medida que o papel foi crescendo e as palavras precisaram de mais espaço para levar todo o sentimento que tínhamos, mas nunca deixámos de ter 10 anos. Sempre nos sentimos com a liberdade das crianças. Sentíamos que ainda tínhamos as nossas asas de inocência.
As paixonetas, os amores que íamos tendo, as desilusões que nos afligiam, as dores que nos faziam companhia ao longo da vida, tudo isso foi ganhando palavras escritas. As casas por onde passámos ao longo da vida, as cores que nos foram invadindo os olhos, as pessoas que nos foram marcando, as que nos fizeram crescer, as que nos fizeram duvidar do valor de se ter nascido, as que nos deram alegrias, tristezas, esperanças, desilusões, todas elas foram passando pelo nosso palco epistolar, por vezes em atropelos de raiva, outras vezes em calma de amor. Cada página escrita levava mais que palavras. Ambos sabíamos isso.
Numa das cartas que recebi, dizia-me que lhe parecia estarmos a falar ao espelho um com o outro. Concordei e nem achei estranho. Dissemos que as lembranças não tinham desaguado em saudade, o que talvez tenha permitido a nossa amizade continuar saudável e viva. Foi nessa altura que concordámos que a ausência de imagens um do outro nos permitiu criar ideais recíprocos. Foi nesse tempo que reconhecemos que nunca conseguimos envelhecer aos olhos dos nossos espelhos. A ausência tornara-se presença pressentida e esperada.
Quando fazíamos anos, enviávamos um postal. No Natal, a mesma coisa. Mas eram as cartas trocadas os momentos de alegria e de partilha. Foi por isso que não prestei grande atenção ao regresso do postal de Natal que lhe enviara semanas antes do dia, como era nosso hábito. Sabia que mais dia menos dia iria receber o seu postal, com a indicação de uma nova morada. Não era a primeira vez que tal fenómeno acontecia. Sempre que mudávamos de casa enviávamos um postal com a nova morada para causar surpresa um ao outro.
Mas, desta vez, nesse Natal, o meu postal regressou sem dono.
Órfão.
E o dele não chegou.

quinta-feira, setembro 23, 2004

Conselhos de Concelho

Raramente ouço rádio, pois habitualmente estou a trabalhar, sentado como os velhos decrépitos e sem poder ouvir a grafonola, mas tive que fazer uma visita “ad limine” a Coimbra e pude ouvir a TSF durante a viagem.
Estava a decorrer um dos fóruns TSF sobre a educação. Obviamente.
A temática que açambarcou os telefonemas dos ouvintes foi a questão de passarem a ser as autarquias a superintender a colocação dos docentes na sua área de intervenção.
Ou seja: os tão estudados Quadros Concelhios.
Não irei emitir a minha opinião sobre a matéria, mas apenas referir, rapidamente, o que me ficou na ideia depois de ouvir muitos dos ouvintes que telefonaram para a TSF: “Nenhum deles – absolutamente nenhum – acredita que pudesse haver isenção nesse processo... as autarquias apenas colocariam os seus amigos e aqueles professores que não provocassem “ondas”.
Esta é a opinião que muitos portugueses têm das suas Câmaras Municipais.
Independentemente das transferências de competências e de orçamentos para esses exercícios de poder, o facto é que olhamos para os políticos como uma seita estranha e perigosa.
Claro que é apenas uma questão de opinião.
O facto é que os políticos locais (pelo menos os meus) olham para os professores apenas com dois filtros: ou nos vêem como atrasados mentais, ou temem-nos e tentam esmagar-nos. Em qualquer das situações, ignoram-nos. Somos uma cambada de pestes que só levantam problemas e chatices. Inventam os Conselhos Municipais de Educação e depois desatam a pedir fotocópias de ideias a outras autarquias e nem se dão ao trabalho de ouvir quem está sentado com eles nesse conselho (para os aconselhar...)... melhor ainda: entram nessa reunião, convocada pela Câmara Municipal e perguntam: “esta reunião é para quê? A minha secretária está ocupada e não me disse para que era isto. Desculpem.”
Eu não desculpo.
Lamento.

terça-feira, setembro 21, 2004

Compta aí novidades...

Não há ninguém que não tenha emitido opinião sobre o problema da colocação dos professores. Todos os órgãos de informação andam à espreita do cadáver da ministra, os sindicatos exigem-lhe a cabeça, os pais gritam pela inteligência dos filhos, os senhorios angustiam-se com as casas por alugar aos professores deslocados, os professores andam a morder os lábios e a chorar para dentro.
Em Portugal é assim mesmo. Todos têm uma colher para meter na educação e todos têm uma faquita afiadita para espetar no professor à primeira curva mais escura da vida.
O problema dos concursos resolve-se facilmente... bastava que a ministra tivesse tido a coragem de desmantelar o que estava e avançar para uma solução de compromisso por um ano lectivo (que é o que irá fazer agora)... de seguida entregava tudo ao gabinete jurídico e cortava a direito. Mas... a Compta do Couto dos Santos e do Rui Machete já tinha a maior parte do dinheiro no bolso e os accionistas andavam felizes a trocar os papéis da empresa na Bolsa que, meses antes, estava muito mal. Os mesmos que daqui a dias vão gritar que a educação é um caos em Portugal.
E a Maria do Carmo andava convencida de que um Ministério era o mesmo que o seu gabinete na Católica: novinho em folha, arrumadinho e abençoado.
Mas a realidade é outra.
Todos os ministérios são monstros administrativos que se têm replicado ao longo de gerações, tal como a TAP, a RTP, etc. Os cortes ferem interesses muito antigos e que têm todos os ministérios altamente armadilhados.
Conheci um senhor que foi parar a uma das direcções gerais do Ministério da Educação na 24 de Julho e, para ter a certeza de que os seus ofícios conseguiam sair para o correio, vinha pessoalmente meter as cartitas no CTT mais próximo.
Não serão os gritos e os jornais que irão alterar o estado de coisas.
Não são os professores que emperram o sistema.
Tenho uma escola sob a minha responsabilidade e devo confessar que os meus colegas têm tido uma postura de alta dignidade, mantendo os alunos na escola, mesmo sabendo que não irão ficar com eles para o ano todo, mas têm feito tudo para que haja sossego e paz dentro da escola e para que os pais não fiquem sem saber o que fazer com os filhos.
Daqui a meses, pais, jornais, novos ministros, rankings, e opinion makers, irão dizer que o pior do mundo são os professores.
Querem um conselho?
Educai os vossos filhos.
Ensinai-lhes o valor do respeito e da delicadeza. Ensinai-lhes a importância da vida em sociedade.
Antes de bater nos professores, venham à escola e vejam os vossos filhos lá. Como eles são lá. Ou será que a vossa memória curta já vos fez esquecer o tempo que andaram pelas escolas?
Dizia a minha avó: “quanto mais porca, mais gritará por limpeza”.

sexta-feira, setembro 17, 2004

As canas do S.Paio

A propósito de um comentário ao "S.Paio":
O que defendo não será o fim da festa, mas uma maior preocupação com o sector social (o terceiro sector).
O panem et circensis é a solução de enterrar a cabeça na areia ou de assobiar para o ar. A Torreira será a freguesia onde mais facilmente se conseguirão resolver alguns dos problemas sociais que todos conhecemos. O dinheiro da festa que fique na festa, mas que haja a preocupação de ajudar quem precisa. Transferir dinheiro para bolsos ociosos não é a solução. Virar-lhes as costas, também não. Ignorar a educação, afirmando que não há verbas ou que há indicações da associação nacional de municípios para não apoiar a educação é, a todos os níveis, revelador de uma situação anómala: é ou não é o estado um todo? Ou serão os municípios outros mini-estados?
Se há alunos portadores de deficiência e tendo os docentes tentado e conseguido algumas soluções para ajudar esses alunos, apenas precisando de transporte ao sábado para que um aluno pudesse ter aulas de recuperação numa piscina (com terapeuta e gratuitamente), como se compreende o argumento de que não há viatura, quando, dias antes, se gastaram milhares de contos numa viatura topo de gama?
Se o argumento é "à Bloco de Esquerda" e se por isso a minha revolta possa parecer menos justa, paciência.
Pela minha parte, tenho tentado agir e não apenas pregar. Tenho tentado intervir onde me é permitido e até onde os recursos me deixam, sabendo sempre respeitar limites de competências e não confundindo as instituições a que estou ligado.
Se isso é Bloco de Esquerda, orgulho-me e muito, embora não tenha "cartão" de nenhum "padrinho".
Que apanhem as canas. O S.Paio passou.

quarta-feira, setembro 08, 2004

S.Paio

Aqui ficam algumas imagens desta festa concelhia murtoseira.
É uma festa que se insere numa longa tradição popular que, ao longo dos anos, foi saindo da esfera do voluntarismo popular e passou para as mãos da autarquia.
Há quem tenha dito que era mais uma expressão de "panem et circensis". Até pode ser. Mas, o facto é que deixou de ser uma simples festa e passou a ser um barómetro da capacidade organizativa da edilidade. E isso é terrivelmente redutor.
Sendo uma expressão popular, como todas as festas está desvirtuada pelo peso comercial dos feirantes. Os negros das estatuetas diversas, os peruanos das canas sopradas, as malas Louis Vitton, os milhões de chapéus, sapatos, máquinas, motociclos, etc, transformam a avenida num encontro de gentes e culturas que pouco dizem à tradição.
Registe-se como positivo a continuação das regatas de moliceiros e as rusgas populares na noite do santo. Registe-se como negativo a pimbalhada de péssimo gosto que noite após noite poluiu a Torreira.
Dizem que se gastaram o equivalente a 14 mil contos nestes dias de festa.
Excesso? Para mim, sem dúvida. Lamento tanta despesa quando a poucos metros da festa vive uma família numa barraca onde chove e onde vive uma criança com deficiência física.
Porém, para muitos outros foi uma festa "poupadinha".
Opiniões...






S.Paio

sexta-feira, agosto 20, 2004

Erros meus, má fortuna...

Secretário de Estado apresenta-se
2004/08/19


O Secretário de Estado da Educação, Diogo Feyo, que entrou para o Governo num mandato em que o novo Governo liderado por Santana Lopes deslocalizou aqueles serviços de Lisboa para Aveiro, efectuou esta quinta-feira um conjunto de visitas a instituições locais, como o Governo Civil e a Universidade.Foram visitas de apresentação num momento de mudança da Secretaria de Estado para um andar do edifício da Segurança Social, no centro de Aveiro.Diogo Feyo terá um conjunto de funcionários que poderá atingir as 14 pessoas.

in On Line News

Pois, eis que o nosso homem chegou à cidade... e foi visitar tudo o que mexe e que não lhe diz respeito... o que lhe diz respeito deve ficar para um dia destes.
Esta secretaria de estado da educação diz respeito ao ensino Básico e Secundário... e o seu lugar-tenente foi apresentar cumprimentos à Universidade.
Ter-se-á confundido? Ter-se-ão trocado as agendas? Ou o circo anda na rua? Ou será que o miúdo só se sente bem no ensino superior?
Que vá... que vá... e sempre hei-de ver essas 14 pessoas elevadas a uma potência qualquer... veremos...

Diria o Pacheco Gosma: "Pobre país de gente tão riquinha..."

quarta-feira, agosto 18, 2004

Sexy Lopes - looks R us

Santana Contrata Ex-relações Públicas da Revista "Lux" para Tratar da Imagem
Público, Quarta-feira, 18 de Agosto de 2004

Uma das mais recentes contratações para o gabinete do primeiro-ministro é a ex-relações públicas da revista "Lux", Marta Guimarães, que irá tratar das questões de imagem de Pedro Santana Lopes.

(.../...)
Segundo fonte governamental, Marta Guimarães terá a seu cargo as questões de imagem de Santana Lopes. O gabinete do primeiro-ministro garante que terá as mesmas funções que as restantes pessoas que compõem a assessoria de comunicação. Segundo a tabela de remunerações dos adjuntos do gabinete do primeiro-ministro, Marta Guimarães receberá quase 3000 euros líquidos.


Parabéns, ó lopes: é importante cuidadar da imagem, já que o resto é sempre acessório.
Os portugueses ficarão ufanos de terem um lopes com boa imagem... as escolas deverão receber fotos ampliadas do lopes para colocar nas paredes... as repartições terão revistas nos balcões para serem lidas, com a vida do lopes, enquanto esperam que chegue a sua vez.

O circo vai chegando em grande estilo... o problema é que só se ri quem anda a mamar...



segunda-feira, agosto 16, 2004

A Imagem




Bastará reparar com atenção como está desenhada (grosso modo) a tal IC1... Estarreja consegue a interligação de uma parte significativa do concelho com as 3 estradas paralelas (109, IC1 e A1) e conseguiu um acesso até Pardilhó, beneficiando, ainda mais, a sua zona "Eco-Industrial"...

Ovar, também.

A Murtosa é um ponto isolado no mapa.

IC1 ?

(a propósio do post do Januário...)

Publico abaixo o comunicado do conselho de ministros que instituiu o traçado e a política geral para a tal SCUT "Costa de Prata" entre o Governo Português de então e a LUSOSCUT... não conheço outro documento legal que contradiga o que lá ficou escrito e assinado.

Tudo o resto que se seguiu (declarações inflamadas, reuniões de massas, promessas eleitoriais, declarações de autarcas, abaixo-assinados, etc) não passou de exercício demagógico de quem quis chegar ao poder ou de quem não quis perder eleições.

Uma possível alteração a esta decisão implicaria um manacial de documentação oficial, toneladas de papel de contestação por parte da entidade adjudicatária, milhões de euros de indemnizações a empresas, anulação de concursos encerrados, novos estudos de impactos ambientais, novos projectos, novos concursos internacionais, etc etc etc. Qualquer leigo percebe isso. Por isso fico sempre maravilhado com o poder que algumas alminhas têm para arrumar decisões deste peso com uma penada de boa vontade ou com a esperança em novos governos...

Poucos dias depois de conhecido este documento oficial e incontornável, houve um murtoseiro que disse:
"A IC1 já pertence à história, aquilo por que nos devemos bater daqui em diante é por um acesso privilegiado a esse troço de estrada: devemos exigir uma via-rápida entre a Murtosa e o acesso ao IC1, doutra forma perderemos tudo."
Quem o disse, alto e bom som, foi o Francisco Valentim Tavares Faustino.
Alguém se deu ao trabalho de o ouvir?
Não era popularucho... assim, de facto e de jure, perdemos tudo... mas desconfio de que alguns artistas terão ganho... e ainda estarão para ganhar mais...

Para quem se lembra, houve uma treta murtoseira (a estrada dique Murtosa-Aveiro) que serviu de bandeira para todas as eleições que se realizaram na minha terra. Todos a garantiram como certa... e ainda me ressoam nos ouvidos as promessas de alguns que até já tinham visto o documento a ser assinado...

Hoje, morta e enterrada que está a estrada dique, surge, gloriosa e dourada, a IC1... novo logro.
É triste.

Diria um professor meu: "Cada um tem o que merece." Mas, bolas, acho que os murtoseiros merecem um pouco mais que aquilo que todos os dias nos empurram pela goela abaixo.

IC1

Decreto-Lei n.º 267/97
de 2 de Outubro


Considerando a necessidade do aumento da oferta de infra-estruturas rodoviárias cuja utilização, no caso de algumas auto-estradas, não represente um custo directo para o utente, optou o Governo por introduzir no nosso sistema a possibilidade de exploração destas infra-estruturas através do regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (SCUT), à semelhança das mais recentes experiências nos países da União Europeia;
Tendo em conta que o Governo, no cumprimento do seu Programa, considera oportuno abrir concursos públicos internacionais para a concessão da concepção, construção, financiamento e exploração de determinados troços de tais infra-estruturas rodoviárias que, assegurando a parceria de entidades privadas que suportarão a formação bruta de capital fixo e os correspondentes riscos a elas inerentes, permitirá acelerar por novas formas a execução do plano rodoviário nacional de modo a permitir, até ao ano 2000, a conclusão da rede fundamental e de parte significativa da rede complementar;
Perspectivado este enquadramento, remete-se para o despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território a definição do respectivo programa de concurso e caderno de encargos, quadro fundamental em que os concorrentes terão de referenciar as suas propostas, bem como a definição das regras que orientarão o Estado na escolha dos concessionários.
Assim:
Considerando o disposto nos n.os 3, 6 e 7 do artigo 15.º da Lei n.º 10/90, de 17 de Março, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
1 - O presente diploma estabelece o regime de realização dos concursos para as concessões SCUT indicadas nos anexos, que deste fazem parte integrante.
2 - Para efeitos do presente diploma entende-se por concessões SCUT a concepção, construção, conservação e exploração de lanços de auto-estrada em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (doravante designadas por concessões SCUT).
3 - As concessões referentes às infra-estruturas rodoviárias constantes dos anexos I e II serão atribuídas mediante concursos públicos internacionais, nos termos do presente diploma.
Artigo 2.º
Regime
1 - Serão objecto de contratos de concessão a celebrar entre o Estado e as sociedades concessionárias a constituir para o efeito a concepção, construção, conservação e exploração das seguintes auto-estradas:
a) Costa de Prata - os lanços identificados no anexo I, parte 1;
b) Beira Interior - os lanços identificados no anexo I, parte 2;
c) Algarve - os lanços identificados no anexo I, parte 3;
d) Grande Porto - os lanços identificados no anexo I, parte 4;
e) Interior Norte - os lanços identificados no anexo I, parte 5.
2 - Farão ainda parte dos contratos de concessão referidos no número anterior, nas condições a definir nos mesmos, para efeitos de conclusão de construção, de aumento do número de vias, conservação e exploração, as seguintes auto-estradas:
a) Costa de Prata - os lanços identificados no anexo II, parte 1;
b) Beira Interior - os lanços identificados no anexo II, parte 2;
c) Algarve - os lanços identificados no anexo II, parte 3;
d) Grande Porto - os lanços identificados no anexo II, parte 4;
e) Interior Norte - os lanços identificados no anexo II, parte 5;
f) Beira Litoral/Beira Alta - os lanços identificados no anexo II, parte 6.
3 - O conjunto de lanços a integrar em cada uma das concessões será estabelecido mediante despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, podendo os exactos limites destes lanços ser objecto de ajustes que se tornem necessários por razões de ordem técnica, desde que respeitada em qualquer caso a respectiva contiguidade.
Artigo 3.º
Natureza e estrutura dos concursos
1 - As concessões serão atribuídas mediante concursos públicos internacionais distintos.
2 - A realização dos concursos decorrerá na dependência do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e os concursos serão desenvolvidos pela Junta Autónoma de Estradas (JAE).
3 - O acto público de cada um dos concursos terá lugar perante uma comissão de recepção e admissão de propostas composta por três membros designados pelo presidente da JAE, um dos quais presidirá.
4 - A apreciação das propostas admitidas a concurso será efectuada por uma comissão nomeada por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
Artigo 4.º
Natureza das entidades concorrentes e das futuras concessionárias
1 - Aos concursos a realizar para efeitos do presente diploma podem apresentar-se sociedades comerciais ou agrupamentos de empresas, sem que entre elas exista qualquer modalidade jurídica de associação.
2 - As sociedades e os agrupamentos referidos no número anterior só são admitidos a concurso se se verificar que, quer as primeiras, quer todas as entidades componentes destes últimos, se encontram regularmente constituídas, têm situações contributivas regularizadas e exercem actividades compatíveis com o objecto da concessão em concurso, sem prejuízo dos demais requisitos de verificação obrigatória nos termos do programa do concurso.
3 - No âmbito de um mesmo concurso, uma entidade não poderá fazer parte de mais de um agrupamento concorrente, nem concorrer simultaneamente a título individual e integrada num agrupamento, sem prejuízo de poder concorrer, isolada ou integrada em agrupamento, a vários concursos.
4 - Cada contrato de concessão será celebrado com uma empresa com sede em Portugal, sob a forma de sociedade comercial anónima, tendo inicialmente como objecto exclusivo a prossecução da actividade concessionada e a constituir pelas entidades componentes do agrupamento ou pela sociedade à qual for atribuída a respectiva concessão.
Artigo 5.º
Regulamentação dos concursos
Os Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território aprovarão, mediante despacho conjunto, o programa de concurso e o caderno de encargos relativos a cada um dos concursos.
Artigo 6.º
Conteúdo mínimo obrigatório da regulamentação
1 - No programa de concurso de cada um dos contratos de concessão constarão obrigatoriamente, de forma detalhada, os requisitos e critérios, nomeadamente respeitantes a experiência, capacidade e aptidão em termos técnicos, financeiros e empresariais que os concorrentes deverão satisfazer no sentido de assegurar o cumprimento das obrigações que resultam do respectivo contrato de concessão.
2 - Para além do disposto no número anterior, constarão ainda obrigatoriamente do programa de concurso, pelo menos:
a) As exigências especiais que o Estado entenda fazer na definição da organização e estatutos da futura sociedade concessionária, bem como eventuais acordos parassociais entre os accionistas e entre cada um ou alguns deles e o Estado, com vista a salvaguardar a permanente estabilidade e solidez da concessão;
b) O elenco pormenorizado dos critérios de apreciação das propostas, com vista à escolha do concorrente que constituirá a sociedade concessionária;
c) As normas relativas à tramitação processual dos concursos.
3 - No caderno de encargos relativo a cada um dos contratos de concessão constarão, obrigatoriamente:
a) A duração da concessão;
b) O prazo máximo admitido para a entrada em serviço dos empreendimentos objecto da concessão;
c) Outras condições que o Estado pretenda assegurar que venham a ser satisfeitas pela sociedade concessionária, no que se refere aos aspectos de concepção, construção, financiamento e exploração dos empreendimentos, bem como as garantias admitidas para cumprimento permanente e total das obrigações emergentes do contrato de concessão;
d) A responsabilidade pelas indemnizações ou outras compensações derivadas da expropriação ou aquisição de bens e direitos ou da imposição de ónus, servidões ou encargos decorrentes do contrato.
Artigo 7.º
Caução
Os programas dos concursos, a aprovar pelo despacho conjunto a que se refere o artigo 5.º, definirão as cauções a apresentar, até ao limite global de 500000000$00, bem como as fases em que devam ser prestadas.
Artigo 8.º
Modo de selecção da concessionária
Nos termos dos programas dos concursos, o acto de escolha do concorrente com o qual o Estado celebrará o respectivo contrato de concessão será precedido, no âmbito de cada concurso, de uma fase de negociação com pelo menos dois concorrentes que no mesmo demonstrem experiência em construção e conservação de auto-estradas e apresentem propostas susceptíveis de melhor darem satisfação ao interesse público, atentos aos critérios previstos no n.º 1 do artigo seguinte.
Artigo 9.º
Critérios de atribuição da concessão
1 - A escolha dos concorrentes que, de acordo com o artigo antecedente, negociarão com a comissão a que se refere o n.º 4 do artigo 3.º os termos de cada concessão, bem como a decisão final de selecção do concessionário, terá por base a avaliação das propostas por eles apresentadas e, após a fase negocial, a avaliação das propostas resultantes da negociação, segundo os seguintes critérios gerais:
a) Qualidade da proposta: concepção, projecto, construção e exploração;
b) Níveis de qualidade de serviço e segurança;
c) Valor esperado actual líquido dos custos financeiros para o Estado emergentes da respectiva concessão;
d) Grau de risco e de compromisso associado ao valor referido na alínea anterior;
e) Datas de entrada em serviço;
f) Solidez de estrutura financeira, empresarial e contratual.
2 - A ordem de indicação dos critérios constantes do número anterior não representa qualquer hierarquização valorativa dos mesmos.
3 - No despacho conjunto a que se refere o artigo 5.º serão operacionalizados os critérios referidos neste artigo, não podendo, contudo, ser considerados outros factores de apreciação que neles se não englobem ou que com eles não tenham qualquer relação.
Artigo 10.º
Direito de não atribuição da concessão
A qualquer momento da fase de negociação de cada concurso, a que se referem os artigos anteriores, o Estado reserva-se o direito de interromper as negociações ou de as dar por concluídas com qualquer dos concorrentes seleccionados, caso, de acordo com a sua livre apreciação dos objectivos a prosseguir, os resultados até então obtidos não se mostrem satisfatórios para o interesse público ou se as respostas ou contrapropostas desse concorrente forem manifestamente insuficientes ou evasivas ou não forem prestadas nos prazos fixados.
Artigo 11.º
Competência para a prática dos actos finais de cada fase
Compete aos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território seleccionar os concorrentes que negociarão com a comissão referida no n.º 4 do artigo 3.º os termos do contrato de concessão e escolher o concessionário com base nos relatórios, apresentados pela mesma comissão, relativos às correspondentes fases do processo do concurso.
Artigo 12.º
Meios de impugnação
1 - Das deliberações da comissão a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º, tomadas em acto público do concurso, cabe reclamação, que será deduzida nesse acto.
2 - Das deliberações que recaírem sobre as reclamações cabe recurso, com efeito suspensivo, para o Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, a deduzir, igualmente, no acto público, sob pena de preclusão do direito.
3 - No caso previsto no número anterior, as alegações devem ser entregues nos oito dias subsequentes à data da interposição do recurso, considerando-se indeferido se sobre ele não recair decisão no prazo de 10 dias.
4 - Dos restantes actos cabe recurso contencioso nos termos gerais.
Artigo 13.º
Validade das propostas
Nenhum concorrente pode ser obrigado a manter válida a sua proposta por período superior a 18 meses contados da data do acto público a que se refere o artigo 3.º
Artigo 14.º
Aprovação do contrato
O Governo aprovará as bases de cada contrato de concessão, por decreto-lei, e a minuta do respectivo contrato, por resolução do Conselho de Ministros.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 7 de Agosto de 1997. - António Manuel de Oliveira Guterres - António Luciano Pacheco de Sousa Franco - João Cardona Gomes Cravinho.
Promulgado em 15 de Setembro de 1997.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 18 de Setembro de 1997.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.

ANEXO I
Parte 1
Costa de Prata
IC 1 - Vagos-Aveiro (IP 5).
IC 1 - Angeja-Maceda (incluindo a variante a norte de Estarreja).
Parte 2
Beira Interior
IP 2 - Teixoso-Guarda.
IP 6 - Mouriscas-Gardete.
Parte 3
Algarve
IC 4 - Alcantarilha-Lagos.
Parte 4
Grande Porto
IP 4 - Sendim-Águas Santas (incluindo a ligação ao nó do aeroporto do IC 24).
IC 24 - nó de Alfena-nó da Ermida (IC 25).
IC 25 - nó da Ermida (IC 24)-IP 9 (excluindo a variante de Paços de Ferreira).
Parte 5
Interior Norte
IP 3 - IP 5-Castro Daire.
IP 3 - Régua-Vila Verde da Raia.

ANEXO II
Parte 1
Costa de Prata
IC 1 - Maceda-Coimbrões.
Parte 2
Beira Interior
IP 2 - Gardete-Castelo Branco.
IP 2 - Castelo Branco-Teixoso.
IP 6 - Abrantes-Mouriscas.
Parte 3
Algarve
IC 4 - Guia-Alcantarilha.
Parte 4
Grande Porto
IP 4 - Leixões-Sendim.
IC 24 - nó da Maia (IP 1)-Alfena.
IC 25 - variante de Paços de Ferreira.
Parte 5
Interior Norte
IP 3 - Castro Daire-Régua.
Parte 6
Beira Litoral-Beira Alta
IP 5 - Albergaria (IP 1)-Vilar Formoso.



Comunicado do Conselho de Ministros de 3 de Maio de 2000

II. aprovou um conjunto de diplomas de que se destacam:



1. Decreto-Lei que aprova as bases da concessão da concepção, projectos de construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designados por Costa de Prata e Resolução que aprova a minuta do respectivo contrato da concessão a celebrar entre o Estado Português e a sociedade LUSOSCUT


A concessão SCUT da Costa de Prata ligará Mira ao Porto numa extensão de 109 Km. A concessionária irá construir cerca de 65 Km de auto-estrada e irá manter e explorar cerca de 44 Km.


A concessão tem por objecto a concepção, projecto e construção, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem SCUT, dos seguintes lanços de auto-estrada:

- IC1 Mira/Aveiro (cerca de 24 km – entrada em serviço em Maio de 2004);

- IC1 Angeja/Maceda (cerca de 30 km – entrada em serviço em Maio de 2004);

- ER 1.18 IC 1-IP 1 (cerca de 6 km – entrada em serviço em Setembro de 2003);

- IC1 Nó de Miramar-Nó de ligação à EN109 (cerca de 4,1 km – entrada em serviço em Junho de 2003).

Constitui também o objecto da concessão, para efeitos de concepção, projecto e duplicação do número de vias, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem SCUT, o seguinte Lanço de Auto-Estrada:

- IC1 Nó de ligação à EN 109-Nó da Madalena (cerca de 1,7 km – entrada em serviço em Junho de 2003).

Constituem ainda o objecto da concessão, para efeitos de conservação e exploração, em regime de portagem SCUT, os seguintes Lanços de Auto-Estrada:

- IP5 Aveiro (Barra)-Albergaria (IP1/A 1), cerca de 24 km;

- IC1 Maceda-Miramar, cerca de 19 km;

- IC1 Madalena-Coimbrões, cerca de 1 km.

O prazo da concessão é de 30 anos a contar da data de assinatura do respectivo contrato, pelo que a concessionária procederá à manutenção e exploração até Abril de 2030. Entre as obrigações da concessionária relevam, pelo seu carácter inovador, a impossibilidade de fecho de vias para obras acima de um limite imposto, bem como a fixação de multas para níveis de sinistralidade superiores à média nacional para o mesmo tipo de estrada.

O capital social da concessionária, integralmente subscrito e realizado, será de Euro 22.200.000,00 (vinte e dois milhões e duzentos mil Euros).

O valor do investimento a realizar pela LUSOSCUT, na construção desta auto-estrada será de cerca de 57 milhões de contos; a este investimento inicial acresce o investimento de exploração, manutenção e grandes conservações periódicas, que ao longo dos próximos 30 anos ascenderá a 30 milhões de contos a preços de 1999.


Comunicado do Conselho de Ministros de 30 de Março de 2001

3. Decreto-Lei que atribui à Sociedade LUSOSCUT, Auto-Estradas das Beiras Litoral e Alta, S.A., a concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estradas e conjuntos viários associados, designados por Beira Litoral/Beira Alta, a que se refere a alínea f) do n.º 2 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 267/97, de 2 de Outubro



A necessidade de acelerar a execução do Plano Rodoviário Nacional, prosseguida pelo Governo, levou ao recurso a um modelo de concepção-construção em project finance que permitisse aquela aceleração de modo comportável para o erário público.


Neste sentido e considerando os naturais limites financeiros do Estado na construção de auto-estradas, foi publicado o Decreto-Lei n.º 267/97, de 2 de Outubro, que estabelece, naquele modelo, o regime de realização de concursos com vista à concessão de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, nomeadamente o da concessão designada por Beira Litoral/Beira Alta, a que se refere a alínea f) do nº2 do art.º 2º daquele diploma.


Este diploma vem atribuir à Sociedade LUSOSCUT, Auto-Estradas das Beiras Litoral e Alta, SA a concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por Beira Litoral/Beira Alta.




sábado, agosto 14, 2004

Um pouco mais de azul


Citius, Altius, Fortius

Mais rápido!
Mais alto!
Mais forte!

Fico sempre espantado com a capacidade que o ser humano tem para se superar a si mesmo.
Os jogos olímpicos da era moderna podem ter muitas questões subjacentes e podem estar cercados de inúmeros problemas de honestidade, negócio, pressões políticas, e um sem número de outras dúvidas, mas o que permanece é a espantosa realidade que salta aos nossos olhos em cada imagem: o ser humano num nível de excelência física, difícil de imaginar pelos olhos do cidadão comum.
Fico deveras maravilhado com o poder físico dos e das ginastas, a endurance dos corredores de fundo, a beleza e a graça da ginástica de solo.
Esta busca da excelência deveria ser um paradigma de humanidade e não um negócio multinacional.