Parece-me coisa de magos esta terra de gente marinhoa que nasce aos gritos e morre em silêncio ouvindo o rugido do mar ao longe.
Nascemos nas bateiras e nas proas e saltamos para terra sempre com saudades da água salgada que nos abraça. Olhos abertos de esperança e mãos prontas para a acção. Nunca recusamos ajuda a quem a pede nem medimos esforço para ajudar um amigo em necessidade.
Dividimo-nos por freguesias várias e sentimos essa divisão pesar nas nossas vidas sem que, no entanto, essa separação signifique indiferença. Mesmo orgulhosos do nosso lugar, acorremos a qualquer um no momento da chamada.
Terras deixadas pelo mar, umas húmidas outras úberes, juntas parecem uma filigrana saída de mão de primoroso artista. Vivemos inquietos neste retalho de mundo incerto. Olhamos à nossa volta em busca de resposta. Aceitamos em silêncio todos os golpes baixos da vida e, em fúria, partimos para outras terras em busca de outras vidas sonhadas.
Descobrimo-nos nessa diáspora acomodada à circunstância do provisório. Assumimo-nos como passageiros de um tempo rápido demais para a fixação. Os olhos, esses, continuaram em busca da água marinhoa.
Abraçámos alegremente todas as cruzadas que nos ofereceram, mesmo que a cruz fosse de duvidoso cristo. O tostão falava mais alto que a razão.
Construímos as terras que sentíamos dos outros e em cada centímetro de obra dos outros sonhavamos as nossas arquitecturas mais íntimas.
Regressámos ao chão sagrado onde deixámos fundas pégadas. Reaprendemos a trilhar os caminhos dos simples e apegámo-nos ao fumo da memória que sonhámos lá longe.
A realidade cegou-nos a vista cansada. Virámo-nos para o vento e aspirámos o suave perfume da maresia dando as costas ao futuro.
Em silêncio esperamos o amanhã construído pelos outros.
Não nos importa.
Somos peregrinos a prazo num mundo provisório e mágico.