Enquanto houver calor e futebol andamos todos bem em Portugal. A TV está cheia de futebol, quer de vivos, quer de mortos... só lhes falta entrevistar a relva do campo e pedir-lhe opinião sobre a matéria.
Dizia o Raul Vaz, ilustre murtoseiro jornalista, que metade de Portugal está na prisão e a outra metade no desemprego mas, para quem olhar para a TV, só vê gente feliz sem lágrimas. Ficamos sem o dinheiro do bilhete, sujeitamo-nos a apanhar umas bordoadas da PSP, a nossa equipa perde ou ganha. Gritamos a plenos pulmões, insultamos tudo e todos à nossa volta. Aplaudimos os nossos heróis. Pensamos estar mais perto dos deuses. E eles ignoram-nos. Passam incólumes. Passam mais ricos. Passam por nós resguardados pela PSP que nós pagamos com os nossos impostos. Passam sem pagar esses impostos. São deuses do relvado.
Levamos todos os nossos sonhos para o estádio e deixamos tudo em casa. Regressamos cansados e reabrimos a porta à realidade.
Os deuses, afinal, não existem.