quinta-feira, maio 12, 2005

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Este texto foi retirado do site do Expresso
e é da autoria do Professor Nuno Crato, figura respeitável do ensino e divulgação da ciência portuguesa.

Não, não é uma cena de filme de terror. É difícil de acreditar, mas foi o que acabou de se passar numa acção de formação de professores que terminou ontem em Lisboa, na Casa Pia.

Duas senhoras fizeram uma análise astral dos presentes e chegaram à conclusão que havia uma falta de «elementos terrenos». Então, para compensar essa evidente deficiência e criar «energias positivas» na sala, pediram aos professores que se descalçassem, de forma a ficarem em contacto mais directo com o solo. No escuro, aumentando o efeito de comunhão com «a Terra», os formandos, de olhos fechados, foram incitados a gritar, com os braços erguidos, para criar energias positivas que se propagassem pelo grupo.

As monitoras explicaram, imperturbáveis, que essa técnica podia ser aplicada nas aulas e ser benéfica para os alunos. Explicaram outras coisas, também. Uma senhora «graduada em astropsicologia», em simbiose com uma outra, que se apresentava como «terapeuta holística e energética», deram várias «dicas» para melhorar o ambiente da sala de aula. Explicaram que, nos exames, seria bom que os alunos vissem objectos de cores azuis e vermelhas. E discutiram as cores que são mais benéficas às diversas aprendizagens. Azul e amarelo para língua materna, como toda a gente sabe, e verde para as ciências. Pois claro...

Explicaram também como se podia fazer a «leitura e limpeza da aura» e mostraram gestos que se podiam praticar nas costas dos alunos, sem lhes tocar e sem eles repararem, mas que teriam um impacto extraordinário na sua «aura». Como isso é importante para o sucesso no ensino! Que estranho que não seja mais usado...

Custa a crer, mas tudo isto se passou num seminário que se intitulava «Dicas para ser melhor professor(a)» e que foi promovido pela Pró-Ordem dos Professores. É um dos «seminários alternativos que têm todo o cabimento», como o defendeu o presidente da dita Pró-Ordem, que disse estar assim a contribuir «indubitavelmente para a melhoria do desempenho da profissão docente».

Tudo isto é inacreditável, mas sente-se o leitor para o que segue. É que, para assistirem, os professores foram dispensados de serviço, sem penalização no salário. Mas os alunos ficaram sem aulas. Tudo ao abrigo da lei. Pergunta-se porque há insucesso escolar. Não seria de começar pelo insucesso no sistema de formação de professores?