sexta-feira, setembro 16, 2005

O futuro (ainda) pode ser hoje

Talvez soframos da síndrome da “galinha da minha vizinha”. Não duvido disso.
Todos achamos que os outros têm mais e melhor que nós. Todos ambicionamos o que os outros têm e sempre menosprezamos o que é nosso.
Menosprezamos as nossas carreiras, as nossas conquistas, as nossas competências e as nossas capacidades. Diminuímo-nos perante todos os outros e achamos que somos sempre injustiçados em relação ao resto do mundo.

Este fenómeno aparece em todas as profissões e carreiras: os médicos da aldeia invejam as carreiras dos especialistas dos grandes consultórios da cidade; os professores universitários invejam as carreiras e o dinheiro dos professores estrangeiros; os autarcas das vilas mais pequenas apelidam os das cidades de “safados”; os professores do ensino básico e secundário invejam os arquitectos e engenheiros independentes; e assim sucessivamente.

Temos uma cultura da inveja, diz-nos José Gil, no seu ensaio “Portugal hoje: o medo de existir”.

Reparemos neste arranque de ano lectivo.
Não me interessa se as bases programáticas foram lançadas pelo Professor Eduardo Marçal Grilo, ou se o foram pelo Santana Lopes ou pela equipa do José Sócrates. O facto é que este ano lectivo arrancou há muitos meses atrás, aquando do concurso para provimento dos quadros das escolas e das zonas pedagógicas, em Janeiro. E arrancou sem soluços. Os concursos decorreram muito bem, muito embora os lugares vagos sejam cada vez menos, resultado da demografia e não das políticas educativas.

Passados alguns meses, teve lugar o concurso para as necessidades cíclicas, e o processo decorreu novamente com normalidade e sem reclamações ou erros grosseiros.

A única novidade de monta foi a de lembrar aos docentes que o seu horário de trabalho era igual ao da maioria dos portugueses. Trinta e cinco horas. Algo que todos sabiam havia muitos e muitos anos, mas que todos reduziam aos tempos lectivos, subtraindo as funções que se-lhe pudessem somar para reduzir a permanência na escola. Aluno irrita.

Este governo legislou no sentido de corrigir algumas assimetrias laborais.
Podemos acusá-lo de continuar a colocar os amigos e dependentes em lugares bem remunerados, ou em funções estranhas para o comum do cidadão. Podemos acusá-lo de tudo o que desejarmos, pois ele tem-se “posto a jeito”. Mas tem a virtude de chamar algumas das coisas pelo respectivo nome.

Nem todas as escolas terão as condições necessárias para o completo cumprimento dos prolongamentos de horários ou para que alguns professores possam permanecer muito tempo em funções não lectivas nesses espaços degradados. Mas isso não pode ser um facto para impedir – ab se – que o universo das escolas não possam aplicar os normativos que já existem há mais de 4 governos (em Portugal já vamos contando por Governos… até a assembleia da república tem dificuldade em contar as suas legislaturas…).

Se numa metrópole os pais investem muito nos filhos, oferecendo-lhes toda uma panóplia de apoios curriculares, actividades de enriquecimento cultural, desportivo e social, o facto é que a esmagadora maioria dos alunos deste país sofre de tentações de abandono escolar, não vê a necessidade de prosseguimento de estudos, têm pais que os incentivam a abandonar a escola e raramente se aproximam da escola para colher informações dos seus filhos.

Para esses, a escola e os professores têm que ser TUDO. Para esses, todas as horas são poucas. Para esses todos os professores têm que ser excelentes mestres e têm que estar muito presentes nas suas vidas.

Ofende a minha profissão e o meu conceito de carreira ouvir lamentações de alguns professores que se queixam do aumento de horas na escola ou que dirimem se essas horas a mais são para os alunos ou para o polimento das cadeiras das salas de professores. Ofende-me que tentem desvirtuar uma boa ideia e que tentem roubar aos alunos algumas das horas que eles bem precisam e merecem.

Não duvido da incompetência da nossa ministra e seus secretários e a sua completa ignorância do terreno em que as escolas vivem o seu dia-a-dia. Eles nunca foram professores… foram sempre doutores ou funcionários dos respectivos partidos. Eles partirão para novos voos e para funções mais altas logo que possível. Eles não souberam definir os horários das escolas, pois eles nem sabem o que isso seja. Eles não deram indicações aos órgãos de gestão, pois eles nunca estiveram num órgão de gestão. Eles gerem ex-cathedra aquilo que nunca conhecerão. Maior despotismo iluminado nunca houve em terras da rainha D.Maria.

Porém, têm uma virtude interessante: mostraram-nos os nossos erros. Os seus berros e exaltações nas reuniões públicas com os órgãos de gestão mostraram aquilo que milhares de pessoas pensam de nós: somos incapazes. Temos sido incapazes de assumir a nossa profissão, de a professar. Temos sido incapazes de defender os nossos alunos e de aumentar a qualidade do nosso ensino. Temos estado numa letargia pavorosa sempre à espera de soluções “deus ex machina” para o ensino. Temos estado sempre ansiosos à procura de um bode expiatória para safar a nossa pele.

Se os professores acordarem com estes abanões e perceberem que têm o mundo na mão… não serão precisas greves ou manifestações. Não precisaremos de sindicatos ou de ministros. Temos os alunos. Temos o futuro de Portugal nas nossas mãos. O Sócrates tem apenas o orçamento, o nosso tempo de serviço. Coisas limitadas no tempo. Os professores têm o futuro. Só nós podemos moldar esse futuro.

E disso, acreditem, o Sócartes vai roer-se todo de inveja.