domingo, outubro 30, 2005

A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia da Murtosa

A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia da Murtosa assume um papel e um estatuto importantes na vida do Concelho em que nasceu e desenvolve a sua actividade desde 1899, altura em que é instituído o Asilo-Hospital de S. Lourenço de Pardelhas, pela mão do comerciante António José de Freitas Guimarães, e que evoluiu para Irmandade por força da decisão dos seus primeiros impulsionadores.
Disso reza a história e os documentos que o comprovam.

O que interessa sublinhar é o seu papel na sociedade de hoje.

As alterações no tecido social português a que temos assistido ao longo dos últimos decénios deixam as instituições de solidariedade com uma grande responsabilidade entre mãos: desde o apoio sócio-caritativo, o apoio à infância e adolescência, a intervenção junto dos jovens, a formação de desempregados e activos, o apoio na doença e na velhice e tantas outras valências sociais que são assumidas pelas Misericórdias Portuguesas.

A Misericórdia da Murtosa, desde sempre, cuidou, e bem, das pessoas com dificuldades de saúde, ausência de suporte familiar, interveio junto das famílias criando valências de berçário, creche e pré-escolar, criou e manteve um Lar de Idosos, ampliando-o e dando condições modernas de conforto e bem-estar aos seus utentes.

Como estrutura de intervenção social, a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia da Murtosa sempre esteve sob a mira de diversos observadores, desde os mais beneméritos e colaborantes – e que são muitíssimos – até aos mais malévolos e invejosos. Nada mais natural. Ao longo da sua história, alguns foram os episódios de tentativas de “assalto” por parte de interesses confessados e outros menos claros. Mas, os irmãos sempre conseguiram perceber e distinguir o certo do errado e sempre souberam entregar os destinos da sua Misericórdia às pessoas que em cada momento julgaram ser as mais certas.

A actual Mesa Administrativa tem tido a preocupação de manter viva essa tradição de solidariedade e de, ao mesmo tempo, adaptar a Misericórdia aos novos tempos e desafios que vai enfrentando.
Sendo uma estrutura empresarial, da qual dependem centenas de pessoas da Murtosa, desde os seus utentes aos seus funcionários, importa defender o seu futuro e saúde financeira, avaliando os investimentos a efectuar e as despesas a suportar em cada momento.
Sublinhe-se que as Misericórdias Portuguesas – com excepção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – são estruturas geridas por voluntários – o Provedor e os Mesários – que não recebem um cêntimo pelo trabalho que desenvolvem nas suas Misericórdias. Como tal, importa ter uma equipa de profissionais que possam coadjuvar no dia a dia os Mesários e o seu Provedor e garantir o funcionamento dos diversos serviços. Estas decisões de gestão – desde as compras, os investimentos, as contratações, os despedimentos, as candidaturas a diversos programas nacionais e europeus – consomem muitas horas de trabalho voluntário que nem sempre é compreendido por algumas pessoas mais avessas ao voluntariado.

Rezam os mitos que a Santa Casa da Misericórdia da Murtosa é rica. É um facto. É rica em doentes, em idosos, em crianças, em jovens, em colaboradores, em acções e em intervenções na comunidade. O dinheiro e outros bens que possui só têm sentido se a sua acção social for interventiva. De outro modo é um peso e uma ofensa aos que precisam de solidariedade. Há quem acuse a Misericórdia da Murtosa de se “cobrar bem” pelos serviços que presta. A Mesa Administrativa desafia quem quiser provar que a qualidade dos nossos serviços está abaixo dos valores cobrados.

Como compreender que uma Misericórdia “cobre” serviços?

No caso da Misericórdia da Murtosa, cobramos o que é correcto ser cobrado e aqueles que podem pagar, devem fazê-lo. Sem excepções.
A noção de Solidariedade passa por isso mesmo: quem pode, deve assumir os seus compromissos, de modo que aqueles que, de facto, não possam pagar possam ser ajudados. Não há outra forma de compreender “solidariedade” e “misericórdia”.
O Lar de Idosos, com 78 utentes internados, conta com um número elevado de pessoas que não podem pagar a mensalidade – apesar de ser a mais baixa do distrito de Aveiro – e que não sentem minimamente esse facto. São assistidos da mesma forma e com o mesmo carinho e atenção que um utente que pague a totalidade dos seus compromissos assumidos. No Infantário, com mais de 130 utentes, passa-se exactamente o mesmo.

Não é fácil fazer compreender isto às pessoas. A incompreensão e a inveja, por vezes, toldam-nos a aceitação da solidariedade e a colaboração nesta rede social é um imperativo de consciência de todos os cidadãos, sejam cristãos, sejam agnósticos.

As estruturas físicas da Misericórdia têm recebido as atenções possíveis.

Desde a completa renovação interior e exterior do Infantário, o saneamento básico, a implantação de um sistema de aquecimento central nessa valência, um sistema de detecção de incêndios, aquisição de materiais didácticos, etc. A Mesa Administrativa encontrou um Infantário a cair de velho. As funcionárias não podiam usar água quente, pois os cilindros deixavam passar corrente eléctrica; as portas e janelas estavam podres e a cair: sempre que se abria uma janela ou porta, tinha que ir um funcionário de manutenção inventar forma de a fechar; o fogão não funcionava correctamente e em segurança, pelo que a confecção de cada refeição era uma aventura; a única máquina de lavar roupa era emprestada por uma empresa; a louça era lavada à mão; os espaços exteriores ofereciam vários perigos às crianças, desde ferros retorcidos a blocos de cimento dispersos. Foram diversas as intervenções, desde a criação de um pavilhão – subindo o seu pé-direito e criando as condições para poder funcionar como espaço polivalente, a renovação da cozinha, da lavandaria, substituição de todas as portas e janelas exteriores, substituição dos pisos das salas – as crianças caíam nos pedaços que estavam descolados -, limpeza dos tectos que deixavam cair o estuque que era respirado pelas crianças, ajardinamento dos espaços exteriores que, proximamente, ainda serão alvo de mais beneficiações.
O Infantário deixou de ter um ar triste e aspecto de tugúrio e passou a ser uma casa airosa, confortável e segura.
Registe-se que o Infantário tem um Regulamento Interno que prevê a existência de uma Directora Pedagógica e de uma Directora Técnica. Assim, a direcção pedagógica está sob a responsabilidade da Educadora Alcina e a direcção técnica está confiada à Prof. Dulce Vasconcelos, esposa do Provedor, que exerce essas funções a título voluntário, sem auferir qualquer remuneração por esse trabalho que lhe foi confiado pela Mesa Administrativa.

Interviemos no Lar de Idosos, desde a renovação inicial da cozinha – aquisição de máquina de lavar louça industrial, fogões novos, instalação certificada de gás. Em breve iremos ampliar este espaço, tornando-o mais racional e adaptado às necessidades actuais. Instalámos, também, um sistema de detecção de incêndios, aumentámos o espaço da lavandaria e adquirimos máquinas industriais de lavar e de secar roupa, novas.
Construímos uma rampa de acesso exterior, perfeitamente integrada na leitura do edifício, em betão à vista, para reforçar a segurança dos utentes, bem como temos efectuado, em colaboração com os Bombeiros Voluntários da Murtosa, exercícios de simulação de evacuação em caso de incêndio.

Criámos e implementámos o Serviço de Apoio Domiciliário aos Idosos, com serviço de 24 horas, 7 dias na semana. Deslocamos as equipas de apoio domiciliário a casa dos utentes entre 3 a 5 vezes por dia, para além do apoio médico e de enfermagem e ligação ao médico de família de cada utente, por colaboração protocolar com o Centro de Saúde da Murtosa.

O Patronato de S.José, no Bunheiro, em virtude da saída da comunidade religiosa que o apoiava, está encerrado. Procuramos algumas respostas sociais para implementar naquele espaço. Pareceu-nos ser inadequado à realidade presente o projecto de demolição e construção de uma edificação para albergar a comunidade religiosa e o ATL que lá funcionava. Como tal, aguardamos melhor oportunidade para reavaliar o Patronato de S.José.

Em relação à Casa da Torreira – Colónia Balnear José Maria Barbosa na Torreira – optámos por manter o actual edifício e adaptámo-lo às necessidades presentes. A Torreira, mercê da saída da Santa Casa desta vila e freguesia, equacionou os seus problemas e foi-os resolvendo, desde o nascimento da ASFITA e sua transformação em IPSS, ao aparecimento da Casa da Criança do Instituto Bissaya Barreto. A Santa Casa não teve outra alternativa que não fosse a adaptação da Casa para centro multifunções, albergando zonas para apoio às crianças e idosos que se desloquem à Torreira, salas de formação, espaço exterior para actividades diversas. Foi uma reparação que deixou a Casa em condições dignas de honrar a memória daqueles que a doaram à Santa Casa da Misericórdia da Murtosa.

Encontrámos, também, um projecto, aprovado e adjudicado, para a construção de uma garagem com arrecadação e Agência Funerária onde se encontram as garagens da Santa Casa – junto à capela mortuária do Hospital. Estava orçado em 30 mil contos. Conseguimos travar essa despesa e, com apenas 300 contos, conseguimos adaptar a garagem para que pudesse receber todas as viaturas que a Instituição tem. Inclusivamente o Autocarro que esteve anos a fio ao sol e à chuva.

Adquirimos um total de 4 viaturas novas (2 de 9 lugares e 2 comerciais) para apoio às actividades da Instituição. O Provedor prescindiu de ter uma viatura da Instituição para seu uso pessoal.

Informatizámos os serviços administrativos (Contabilidade, Facturação, Imobilizado, Vencimentos), implementámos uma rede informática interna com acessibilidade externa; implementámos a Internet e uma intranet com acesso a bases de dados internas; concorremos e fomos contemplados com Projectos no âmbito do Aveiro Digital para a modernização de alguns procedimentos ligados ao Apoio Domiciliário e webização de processos do Juíz de Paz da Murtosa (http://paz.misericordiamurtosa.pt). Implementámos um servidor interno e um servidor web. Disponibilizámos formação acreditada pela Inofor às pessoas ligadas a estes projectos e temos feito reciclagens periódicas de procedimentos e reavaliações internas.

Catalogámos informaticamente o acervo bibliográfico que foi oferecido à Santa Casa pelo Dr. José Tavares Afonso e Cunha – um grande Murtoseiro de saudosa memória – sendo possível consultar essa informação a partir da intranet da Santa Casa. Em breve, iremos disponibilizar essa informação via Internet a toda a comunidade interessada, num total de quase 7000 espécies bibliográficas.

Efectuámos um estudo relativo às remunerações do pessoal ao serviço da Santa Casa e percebemos que era necessário ajustar os vencimentos de acordo com as Tabelas de Vencimentos em vigor na União das Misericórdias Portuguesas. Este facto implicou aumentos na ordem média dos 16% em geral, havendo casos em que o aumento ultrapassou os 30% apenas no primeiro ano. Foi um esforço financeiro muito grande, mas que nos pareceu ser correcto já que estávamos a exigir mais qualidade aos nossos funcionários.

Ao longo destes cinco anos de mandato temos reajustado o Quadro de Pessoal, temos contratado diversas pessoas para fazer face ao aumento das necessidades do Lar e das outras valências e temos requalificado o nosso pessoal. Desde acções de formação no âmbito da legislação laboral em vigor, passando pela reclassificação de algumas funcionárias. Temos a consciência de que algumas pessoas não se conseguiram adaptar às novas exigências ou às novas dinâmicas, por isso foram saindo, ou por terminus de contrato, ou por despedimento ou por decisão pessoal.

Igualmente estabelecemos acordo com um médico para a prestação de serviços, evitando-se, assim, a constante deslocação dos utentes ao Centro de Saúde. Só com isto, aumentámos a qualidade de vida dos nossos utentes e a sua paz de espírito, pois todos os dias sabem que têm o médico a quem podem recorrer. Ainda na saúde, alterámos alguns procedimentos e investimos fortemente na higiene e desinfecção. Quando chegámos à Santa Casa fomos alertados para o facto de haver vários utentes com escaras e muitas utentes com infecções urinárias recorrentes. Graças a um esforço muito grande do nosso pessoal ligado à saúde e de um investimento cuidadoso, temos conseguido debelar esses problemas. Desde a aquisição de camas articuladas, colchões anti escaras (pneumáticos), anteparas para as camas dos acamados, a reformulação da distribuição dos utentes pelos quartos, tudo se tem feito para melhorar as condições de quem vive no nosso Lar. Porém, ainda estamos muito longe do óptimo.

Analisámos os valores das mensalidades e percebemos que a Instituição tinha que rever esses valores e efectuar um trabalho de levantamento das situações reais dos seus utentes, pois alguns escusavam-se a pagar os valores exigidos, escudando-se atrás de declarações de pobreza sem fundamento ou em negociações pessoais anteriores. Foram situações delicadas e demoradas que só recentemente conseguiram entrar nos hábitos das pessoas. Registe-se que nunca ninguém foi expulso ou excluído por não poder pagar. Temos, sim, exigido que a verdade seja reposta e cada um assuma as suas responsabilidades.

No âmbito do Património da Santa Casa, temos efectuado o registo de propriedades que foram legadas à Santa Casa por herança, bem como tomámos posse da Casa do Gonçalo Polícia, pondo fim a um longo adiamento desta questão. Terminámos a intervenção na Casa do Silvério Guerra, colocando-a ao serviço dos jovens da Murtosa como atelier de desenvolvimento de artes plásticas, centro de acesso à Internet e ponto de encontro de adolescentes. Conseguimos o registo definitivo de uma propriedade urbana sita no centro da Cidade do Porto e temos acompanhado obras e alterações de valores dos alugueres de alguns apartamentos na cidade de Almada. Estamos a tentar, junto da autarquia da Murtosa, negociar uma solução para o grave problema que é o Lar de Idosos enquanto propriedade urbana com a actual volumetria construída, obra que nunca foi licenciada e que, como tal, ainda não possui licença de habitabilidade. Efectuámos a venda, por hasta pública, precedida de competente autorização da Assembleia Geral de Irmãos, de duas propriedades que não constituíam valor estratégico para a Santa Casa. Efectuámos obras de intervenção na Capela Mortuária, tornando-a mais condigna para o fim a que se destina. Adquirimos 6 sepulturas no cemitério de Pardelhas para dar repouso aos utentes que venham a falecer sem familiares que se interessem pelo seu funeral.

A Mesa Administrativa da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia da Murtosa tem candidatado a instituição a alguns projectos sociais no âmbito do POEFDS. São projectos difíceis, pois lidam com pessoas muito frágeis. Mães desempregadas de longa duração e sem perspectivas de emprego a médio prazo; jovens que necessitam de algum apoio psicológico para ultrapassar as suas dificuldades; pessoas que nunca receberam qualquer tipo de formação sistematizada desde os seus 10 anos de idade; pessoas que não se conseguem inserir no tecido social.

Para quem observa de fora, estas acções podem parecer estranhas. Lidam com pessoas que a sociedade não deseja ver inseridas no seu meio. São pessoas que não têm hábitos de higiene nem de trabalho, que dizem coisas disparatadas em tons de voz inapropriados. São pessoas que se escondem e defendem da sociedade desta maneira. São seres humanos frágeis.
Estes projectos são muito fáceis de criticar e destruir com palavras irresponsáveis que temos ouvido desde o dia em que começaram. Palavras que vêm de pessoas que, pela sua formação ou pela sua responsabilidade social ou política, deveriam ser as únicas a não proferi-las. São palavras que exteriorizam o medo e a inveja de uma sociedade centrada em si mesma e que se fechou aos outros.

O resultado destes projectos é sempre uma miragem difusa. Nunca se sabe o que se conseguiu. Acredita-se que se ensinou alguma coisa, por muito pouco que tenha sido. Espera-se que o fruto venha a surgir na geração seguinte.

A Mesa Administrativa da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia da Murtosa informa os mais preocupados que, apesar de todos os investimentos acima referidos e todas as despesas que temos assumido, as contas da Santa Casa estão saudáveis e os valores que todos têm na cabeça e algumas almas proclamam aos ventos, continuam a existir. Como tal, sosseguem que a Mesa Administrativa não tem delapidado – nem sequer gasto – a “herança” que lhe foi entregue. De modo responsável tem gerido esses valores, pois no dia em que assumiu a gestão da casa deparou com factos bem estranhos, desde valores exageradíssimos em depósitos à ordem (quase 90 mil contos…), completamente desnecessários para fazer face às despesas fixas da instituição, até depósitos a prazo não negociados e de pequena monta, o que prejudicava a Tesouraria da Santa Casa. Para não falar em património segurado por valores ridículos e completamente irrisórios em caso de incêndio ou acidente natural.
Em Dezembro de 2006, estaremos em condições de entregar, intacta e bastante melhorada, a quem vier a assumir os destinos desta Instituição, a Herança que nos foi entregue em Fevereiro de 2001.

A Santa Casa da Misericórdia da Murtosa é um tributo a este Concelho, pois nasceu antes dele e amparou-o no seu desenvolvimento. Ela tem que ser o espelho do seu povo e será aquilo que os seus irmãos e amigos quiserem que seja. Será sempre a consciência do seu povo, naquilo que ele tem de mais puro e sagrado e estará sempre para além dos seus provedores.
A missão da Santa Casa, expressa no seu “Compromisso”, reside na Esperança de uma Murtosa mais simpática.
Espera-se por uma Murtosa um pouco mais solidária, um pouco mais humana. Muito mais aquela antiga Murtosa que sabia abrir a porta aos pobres e lhes dava um naco de pão e uma tigela de sopa.
Aquela Murtosa que fez nascer a sua Santa Casa da Misericórdia.

Murtosa e Santa Casa, 26 de Outubro de 2005

A Mesa Administrativa da
Irmandade da Santa Casa da Misericórdia da Murtosa