“O senhor não tem uma formação democrática precisa”, disse Mário Soares no debate com Cavaco Silva. Este discurso do ex.presidente, frente ao ex-primeiro ministro, leva-me a evocar a problemática dos “anti-fascistas” em Portugal.
Temos o eterno problema de não nos conseguirmos libertar do passado e das etiquetas que flutuam no nosso oceano do pensamento. Há uns anos atrás, só podiam ser “democratas genuínos” aqueles que tivessem sido perseguidos pela PIDE ou tivessem estado presos por motivos políticos… mesmo os que tinham andado a roubar bancos antes do 25 de Abril passaram a ser “anti-fascistas” e “democratas”.
Com o advento das novas gerações, a coisa complicou-se, e os democratas passaram a aceitar que os mais novos entrassem para o “clube”… era politicamente correcto e era preciso encher os ficheiros dos partidos com sangue e quotas novas.
Agora, Soares vem ressuscitar o direito a ser-se democrata, de acordo com os seus cânones, claro.
Com isto, não defendo Cavaco – o verdadeiro e único predador da classe média em Portugal. Apenas me preocupa que a cabeça de Soares volte a processar as ideias ultrapassadas e caquéticas dos “democratas” portugueses. Com isto, o cavaquismo pode esfregar as mãos de contente, pois as outras campanhas andam a tocar pela mesma pauta de Soares.
Arriscamo-nos a ter mais uns cavaquistões pululantes em Portugal.
Se o desemprego nos obriga a emigrar, novamente, Sócrates e Cavaco juntos vão conseguir fazer-nos recuar mais uns 40 anos em tempo recorde.
Mas, aquilo que mais ressalta desta primeira série de debates televisivos dos diversos candidatos mais “colunáveis” é que pouquíssimos estiveram interessados em debater ideias para o futuro de Portugal. Há tempos atrás, Jorge Sampaio afirmou-se como o “peregrino do optimismo” e conseguiu criar algumas expectativas positivas no povo português, mau grado o aumento galopante do desemprego. Nem sempre interessa dar beijos aos empresários – pois esses “deslocalizam-se” rapidamente, de acordo com os seus interesses -, mas interessa incutir confiança no povo simples e recriar a Classe Média em Portugal, pois só ela conseguirá sustentar o país. Os belmiros, mellos, espíritos santos e quejandos investem onde e quando lhes interessa. A Auto-Europa e outras iniciativas do género, instalam-se, sugam, delapidam, e movem-se para novos terrenos férteis e fáceis. E nós vamos ficando na mesma, quais donzelas enganadas e de olhos esbugalhados nas revistas sociais.
Não será o cavaquismo a resposta para Portugal. Não o foi. Foi apenas uma resposta para alguns, poucos e felizes. Portugal ficou com estradas. Apenas isso. E a maior parte mal feita e muitas inacabadas. O famoso “pacote Delors II” acabou na mão dos vendedores de casas de luxo, de carros topo de gama, de tractores e pouco mais. Porquê? Porque não houve fiscalização séria. Não interessava que houvesse, claro. Hoje pagamos essas facturas e continuamos fracturados, inadequados à velocidade europeia, mal-formados, excluídos academicamente, esquecidos tecnicamente. Gabamo-nos de fazer parte de algumas comissões importantes, mas somos apenas um ou outro. Nunca um povo. Ninguém nos olha com respeito ou admiração… olham-nos como os “gregos” da outra ponta da Europa, que fornecem óptimas empregadas domésticas, submissas e trabalhadoras e empregados da construção que trabalham o dobro dos outros por metade das chatices.
Por isto tudo, não precisamos de “democratas”, precisamos de um líder capaz de incutir no povo português a coragem de vencer os desafios e não alguém que apenas saberá ou aumentar dramaticamente as contas públicas com viagens e mordomias ou embirrar com todos aqueles que não o ponham num pedestal.